Portugal e a Saudade

Certas tarefas estão perigosamente próximas da impossibilidade de serem realizadas. E uma dessas tarefas é definir países. Calma, ninguém disse que definir pessoas é fácil, mas quando comparado com definir países torna-se uma brincadeira de crianças. Se tivéssemos de explicar a um cidadão estrangeiro o que é Portugal, o que diríamos? Falar da praia, do sol e do calor não chegaria. Isso é parte do nosso país mas certamente que não o é na totalidade. Teríamos que ir ao âmago da questão. Teríamos que falar…na saudade. Ser português é ter a saudade gravada no ADN. E o “Desnecessariamente Complicado” desta semana fala disso mesmo: saudade. Estão preparados para esta viagem à alma da nossa nação?

Confesso que não sei como definir qualquer outro país a não ser o meu, o nosso, Portugal. Sim, Portugal é praia, sol e calor na Primavera e no Verão. Mas também é frio, granizo e neve no Outono e no Inverno. Sim, Portugal é a agitação, a luz e o peso da história de Lisboa e Porto. Mas também é a paz, a desertificação e a beleza natural do Alentejo e do Minho. Sim, Portugal são os jovens com sede de conhecimento e que querem agarrar toda vida nos seus braços. Mas também são os idosos analfabetos que apenas pedem pão e água para o dia seguinte. Portugal é tudo isto e muito, muito, mais, logo arranjar uma só definição é uma tarefa hercúlea.

E é aqui que entra a saudade. Acredito profundamente que uma parte considerável da alma do povo português é composta de saudade. Claro que também tem amor, felicidade, tristeza, ódio e todos os restantes sentimentos indispensáveis à nossa sobrevivência. Mas tem muito mais saudade, sem dúvida. O português tem sempre saudade. Tem saudade do passado, mas também do futuro. Tem saudade não só dos bons momentos, como também dos maus. Tem saudades da infância, mas também da velhice que espera que o destino lhe reserve. E tanta saudade num só povo é prejudicial.

A saudade é positiva, desde que exista em doses normais e controladas (em doses exacerbadas torna-se contraproducente). Por exemplo: ter saudades da infância é positivo. Faz-nos viajar no tempo, reencontrando uma criança que julgávamos perdida entre tantas preocupações de adulto e leva a que nos recordemos de pessoas que já não fazem parte da nossa vida (seja por falecimento ou por diferentes rumos pessoais) mas que nos influenciaram. E por muito duros que tenham sido esses anos certamente que ficou algo de bom que recordaremos com um sorriso no rosto (eu sei que isto não é necessariamente verdade para a totalidade dos portugueses, calma).

Mas um português não se fica por aqui. O português deve ser o único ser humano no mundo que consegue ter saudade de algo que ainda não viveu. É que assim que acabar de recordar a sua meninice é certinho que viajará para a velhice que viverá um dia. Podem faltar ainda cinquenta anos para lá chegar mas o português já terá saudades desses tempos. Dos tempos onde era idoso, das jogatanas de damas, xadrez e afins com os amigos de sempre no jardim da vila, das dores nos joelhos que anunciam o mau tempo e de tantas outras coisas que apenas se têm, e sentem, na velhice. Claro que não o faz de forma consciente! É um sentimento automático como tantos outros do quotidiano e que por mais que queira não consegue controlar. No fundo ele não sabe que sente saudades, mas elas estão lá.

Esta relação dos portugueses com a saudade é única. É tão única que mais nenhum país do mundo tem sequer a palavra, ou o conceito, de “saudade”. Têm outras palavras e outros sentimentos parecidos, obviamente, mas nenhum chega aos calcanhares da nossa saudade. E tudo porque dizem a saudade mas não a sentem. Tenho para mim que um estrangeiro se despede de um amigo que vê partir no comboio pensando “Lá vai ele…não vejo a hora de estar com ele novamente!” enquanto um português (perante a mesma situação) pensa “Lá vai ele…e se eu nunca mais o vejo?”. Dito isto é certinho que logo a seguir teremos um ataque de saudades que nos levará a chorar baba e ranho por algo que não aconteceu e que pode nem sequer vir a acontecer (entenda-se: nunca mais vermos o tal amigo). É uma quantidade anormal de drama completamente desnecessária.

Querem mais provas do quão intrínseca é a saudade no nosso povo? Recuemos até aos Descobrimentos. Dessa época ficaram mais as viagens do que o resto. Enquanto as outras grandes potências aproveitaram a sua permanência colonial os portugueses foram mais de viajar do que de permanecer, mais de descobrir do que aproveitar as trocas culturais. Para as outras potências viajar era simplesmente uma forma de chegar onde se queria. Mas para os portugueses viajar era, já em si, grande parte do que se queria. E tudo porquê? Porque por mais vontade que tenhamos de partir assim que largamos amarras somos invadidos por uma saudade louca do nosso Portugal. Os grandes navegadores queriam ir, claro, mas sempre com o objectivo de voltar (e nunca com o objectivo de lá permanecer). A grande vitória era dizer que lá tinham estado e não ficar por lá. Se já no tempo dos Descobrimentos a saudade era parte integrante do nosso ADN não é de estranhar que ainda hoje o continue a ser, não é verdade?

E onde a saudade mais se manifesta é no amor. Claro que ela está em todo o lado, mas está muito mais no amor no que na mecânica, por exemplo (e digo isto sem ser, ou ter sido, mecânico, o que faz com que possa estar a ser injusto, admito). E quem já amou sabe do que falo (mas atenção, amar a sério!). É impossível amar de verdade e não ter saudades eternas. Quando não estamos com a pessoa amada só queremos é que o tempo passe depressa e utilizamos as memórias felizes do passado para matar as saudades. Quando finalmente temos a oportunidade de desfrutar da companhia da nossa cara-metade não conseguimos parar de pensar nas saudades que teremos quando ela sair porta fora. Claro que ela vai voltar (pelo menos assim esperamos), o pior é o espaço de tempo que decorre entre a sua saída e o momento em que entra novamente porta adentro. Conclusão? Acabamos por não viver os momentos a dois. Preocupamo-nos tanto com a saudade que sentiremos no futuro que não chegamos a aproveitar convenientemente o presente.

Isto de ser português tem muito que se lhe diga não é? Por isso é que não é qualquer um que nasce neste recanto à beira-mar plantado! Apenas os que têm grandes doses de perseverança e coragem conseguem aguentar tanta saudade junta. Qualquer outro povo teria ido abaixo, sucumbindo ao poder destrutivo da saudade! E sabem a parte mais engraçada? Em todo o mundo quase ninguém dá o devido valor à nossa saudade. Como não a sentem, e percebem, como nós acabam por não lhe dar valor. Pensam que é algo que existe em todo o mundo, coitados. Mal sabem eles que por mais montanhas que escalem ou por mais mares que naveguem nunca encontrarão sentimento semelhante a este.

Agora ide estimados leitores. Ide tomar um chá no alpendre, enquanto permitem a vossa mente navegar pelo passado, sentido saudades de tudo o que já passou e nunca mais voltará. Nunca tenham medo de sentir saudades, pois são elas que nos tornam portugueses e nos diferenciam de todos os restantes povos do mundo!

Boa semana!
Boas leituras!