Público vs. Privado v2.0 – Contratos de associação

Volto a este assunto porque acho que as pessoas continuam a debater sob pressupostos errados, muito provavelmente por falta de informação. E, embora sendo estes textos de opinião, temo que o meu artigo anterior não tenha sido o mais esclarecedor possível.

Há uma luta público contra privado?
Não creio que se possa falar em luta do público contra o privado. Quando eu uso o termo “Público vs. Privado” na minha crónica, pretendo transmitir um diferendo de opinião, não mais do que isso. O que é evidente – e vejo que muitos ignoram – é que cumpre ao governo (seja qual for a força politica que o suporta) a gestão da coisa pública no cumprimento da Lei.

Mas então porque é que o governo ataca o privado?
Não há, a meu ver, nenhum ataque. A Lei estabelece as condições em que devem ser celebrados contratos de associação: em casos em que a rede pública não tenha instalações na área (ou, mesmo existindo, não têm condições) e/ou transportes necessários e adequados que sirvam as instalações. O governo só está a cumprir a Lei.

Então e o que acontece aos alunos que estão agora em colégios com contratos de associação?
Os contratos em vigor mantêm-se, ou seja, aqueles alunos que já estão em aulas, terminarão o seu ciclo com o financiamento estatal. Relembro que o primeiro ciclo é do 1º até ao 4º ano, o segundo ciclo compreende o 5º e 6º ano, o terceiro ciclo do 7º ao 9º e o secundário do 10º até ao 12º.

E os colégios queixam-se porquê?
Alguns dos colégios queixam-se porque funcionavam em exclusividade (ou quase em exclusividade) com os valores do financiamento pagos pelo Ministério da Educação e, se ficarem impedidos de abrir novas turmas de inicio de ciclo, vão ver esse financiamento reduzido brutalmente. Os colégios privados sem contratos de associação ou que os têm mas em poucas turmas de certeza têm outras fontes de rendimento.

Os pais não têm direito a escolher onde os seus filhos estudam?
A escolha dos pais nunca esteve em causa. a meu ver. Os pais podem continuar a escolher onde colocam os filhos a estudar, mas têm de arcar com a consequências dessa escolha e custear as despesas da mesma, se optarem por um colégio privado sem contrato de associação.

E o que acontece aos professores e funcionários dos colégios que ficam sem contrato de associação?
Essa é a pior parte: tal como qualquer empresa privada que se vê sem financiamento, se não conseguir ajustar-se à nova condição, vai ter de fechar e os funcionários irão para o desemprego. E, se pensarem no que se disse atrás, a isto se deve a exposição dos colégios ao financiamento estatal. Lembro que os contratos de associação servem, segundo a Lei, para colmatar lacunas da rede pública e não como linha de financiamento.

Mas e de repente a rede pública já está em todas as freguesias?
Não. O Ministério da Educação autorizou alguns colégios com contrato de associação a abrirem novas turmas de inicio de ciclo precisamente onde, após análise, se crê haver falha da rede pública.

Serão legitimas as manifestações contra o fim do financiamento?
Qualquer manifestação é legítima, desde que cumpra os requisitos legais. Os cidadãos podem e devem manifestar a sua discordância. Todos temos a ganhar com a cidadania activa. Todavia, neste caso, o governo apenas cumpre a Lei. E a Lei (e o financiamento decorrente dela) servem para suprir as falhas da rede pública e não para financiar colégios privados. E o argumento da liberdade de escolha, comummente usado, não faz sentido, pelo que foi dito anteriormente.

Os serviços do Ministério não podem errar e decidir que determinada freguesia está coberta pela rede pública, quando na verdade não está?
Podem, claro. Errar é humano e quem decide também. Para isso existem meios legais para contestar as acções da administração pública e rectificar o que se crê estar errado.

Qual a solução?
Para os colégios que se ficam impossibilitados de abrir novas turmas de inicio de ciclo e acham que, perante a Lei, estão em zona de lacuna da rede pública deverão recorrer aos meios legais para impugnar a decisão do Ministério. Aqueles cuja presença da rede pública é indesmentível e, por isso, nada podem fazer, terão de encontrar outras fontes de subsistência.
Para os pais, se os filhos estiverem em fim de ciclo e o colégio privado deixou de poder abrir novas turmas de inicio de ciclo podem escolher por matricular as crianças na rede pública ou mantê-los no privado, custeando essa opção.

Duas notas finais:
1) Não tem a ver com a qualidade dos colégios privados. Muitos deles têm qualidade e alguns qualidade superior ao público. Mas este tipo de contrato não tem a ver (pelo menos não estritamente) com avaliação da qualidade dos colégios particulares. No cumprimento da Lei, o Ministério decide não prolongar os contratos de associação por existência de cobertura por parte da rede pública, não por falta de qualidade do ensino dos colégios privados. Se pretenderem justificar a permanência do financiamento ao privado mesmo quando há cobertura do público o argumento não poderá ser a manutenção dos contratos de associação pois, segundo a Lei, eles não servem para isso.
2) Se fossemos um país rico, não haveria problema em financiarmos a rede privada sem restrições. Todavia, se quiséssemos ser justos para com todos eles, teriamos de financiar todos e não apenas os 4% de colégios privados que têm contrato de associação. Mas não somos um país rico e, por conseguinte, temos de usar os dinheiros públicos para gerir, manter e melhorar a rede pública e recorrer ao privado só quando esta não consegue responder, seja na educação ou em qualquer outra área.

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990