Quem saiu a ganhar no dia 4 de Outubro?

A pergunta que se impõe é “quem saiu a ganhar nas últimas eleições legislativas?”

Primeiro digo quem não saí, de certeza, como um dos vencedores, na sua plenitude, é a democracia. Muitos portugueses não votaram, uns porque não quiseram, outros não puderam (numa combinação de anúncio tardio da data e muita burocracia, aliada à lentidão dos correios internacionais, muitos emigrantes não puderam votar ou o seu voto não chegou a tempo de contar para a eleição). O site oficial dos resultados (da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna) diz que (ainda sem os votos dos consulados contabilizados), de 9.439.581 inscritos, só votaram 5.380.451 cidadãos. Isto é, cerca de 43% dos eleitores inscritos, 4.059.120 pessoas decidiram não votar ou foram impedidas, por algum motivo, de o fazer.
Se pensarmos que a força mais votada, a coligação PSD/CDS teve 36,83% dos votos (sem contar com os votos das regiões autónomas, onde concorreram separados), se todos os portugueses inscritos tivessem votado, só valeria 21%. Isto é, 21% dos portugueses teriam escolhido os destino de todos. Obviamente isto é um simples cálculo matemático, porque se todos votassem a coligação podia ter tido mais votos. Mas este simples cálculo mostra que 21% dos portugueses (inscritos para votar, fora os emigrantes que não se conseguiram inscrever), graças à abstenção, elegem um governo. Manifestamente uma minoria, não acham?

Se é óbvio que o PSD e o CDS, em coligação e com os votos que tiveram nas ilhas, onde concorreram em listas separadas, conseguiram mais votos, verdade também é que estão numa situação precária na Assembleia da República. Perdendo a maioria absoluta, vão ter de perder a arrogância demonstrada nos últimos 4 anos, de quem não precisa dos outros para nada.
E se 36,83% dos votantes, 21% dos que podiam votar, votaram na coligação, houve 63,18% dos votantes, 36% dos que podiam votar, decidiram não votar na coligação, dando a maioria na Assembleia aos partidos da esquerda. O Bloco de Esquerda conseguiu inclusivamente passar à frente de PCP e CDS, tornando-se na terceira força politica na Assembleia, com 19 deputados eleitos.
Assim, há, a meu ver, um sabor “agridoce” na boca de todos. A coligação não consegue viabilizar nada sem os votos da esquerda, apesar de ter ganho as eleições. E a esquerda, tendo a maioria na Assembleia, tem de respeitar a vontade democrática expressa pelos portugueses que escolheram a coligação para governar.

De quem é a “culpa” do resultado eleitoral? A “culpa” de qualquer resultado eleitoral é sempre dos eleitores, em primeiro lugar. Quer dos que, em consciência, votaram, quer dos que não votaram, deixando a escolha do destino do país nos próximos 4 anos para os outros. E nestes eu incluo os votos nulos, porque, a meu ver, aqueles que fazem inutilizam, de alguma forma, o boletim de voto é o mesmo que não votar. Quanto aos votos em branco, apesar de também não contarem para eleição de mandatos, têm um significado politico. Neste caso, 112.666 pessoas disseram, com o seu voto em branco, que não acreditavam em nenhum dos projectos propostos pelos partidos candidatos. Reparem que o PSD na Madeira e nos Açores elegeram 5 deputados e o PAN elegeu 1 deputado tendo menos votos no total do que os votos em branco. Há 2,09% daqueles que cumpriram o seu dever cívico e direito constitucional ao voto que não confiaram em nenhum dos partidos candidatos. Acho muito significativo e um sinal muito forte para a democracia portuguesa.
Depois é culpa dos partidos que não souberam passar a mensagem. Principalmente a esquerda. O PS apostou em dizer a verdade (pelo menos, aquela em que acreditam) , de fazer um programa cauteloso e dizer bastantes vezes “quando lá chegarmos, logo vemos o resto”. Muitas hesitações deixaram os portugueses confusos. Os portugueses queriam ouvir “sim, vamos mudar as politicas, vamos atingir os mesmos objectivos, mas com politicas de crescimento e emprego, em vez de austeridade”, complementadas com “vamos fazê-lo com as medias X, Y e Z”. E ouviram a primeira parte mas, muitas vezes, com umas respostas a medo em relação à segunda parte porque “quando tivermos acesso a toda a informação é que podemos concretizar”. Por muito nobre que seja esta honestidade, não ganha eleições. E, como eu já disse noutra crónica [há 2 semanas atrás], a restante esquerda, em vez de apontar armas à direita, decidiu “bater” no PS. À CDU valeu de pouco, ganhou mais cerca de 4 mil votos e mais 1 deputado do que em 2011. Ao Bloco valeu bem mais, tendo conseguido mais 11 deputados do que em 2011, tendo tido mais 261 672 votos. Porquê? Porque o BE disse, na maioria das vezes pela boca da sua porta voz Catarina Martins, aquilo que os portugueses queriam ouvir. Embora, a meu ver, a nacionalização em massa e a saída do Euro, defendidos pelo Bloco, não sejam exequíveis e se tornassem em catástrofe nacional se fossem levadas a cabo, encheram o ouvido dos portugueses. Quem lucrou com isto foi a direita que, apesar de toda a austeridade, deixou um país bem mais pobre do que o encontrou em 2011 e, com a ajuda da restante esquerda, teve de fazer bem menos do que o esperado para descredibilizar o PS e assim ganhar as eleições.

Então e agora? Agora há duas soluções. E nenhuma delas é boa para a imagem do PS. Uma delas é o PS abster-se ou mesmo aprovar o Orçamento de Estado da coligação. E, mesmo que o orçamento seja fruto de negociação e algumas das medidas dos socialistas sejam nele integradas, o PS passará por um partido fraco, que deu a mão à direita, mesmo depois de a ter criticado com veemência. A outra solução é o PS votar contra o Orçamento de Estado, como chegou a afirmar na campanha. A meu ver isto faz o governo cair e o PS terá de fazer governo a seguir em coligação com a restante esquerda, sem se livrar da fama de partido que quis tomar o poder à força depois perder as eleições.

Uma coisa é certa, no actual panorama, é certo que nem a direita nem a esquerda consegue formar governo sem o aval do PS. E está tudo nas mãos de António Costa, o homem cuja credibilidade está a ser questionada, pelas criticas que fazia ao ex-secretário geral, de ter ganho eleições por muito pouco e agora, com a derrota, não se ter demitido. Mas se leram com atenção o que acima escrevi, apesar de ter perdido as eleições, o mais importante player nesta legislatura, aquele de quem todos vão depender, é mesmo do grupo parlamentar socialista.

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990