Rita, anda ver o verão! – Cap.21

O pai de Rita não era gordo nem magro, nem alto nem baixo, mas consoante com quem falasse, olhava os colegas de alto a baixo e punha-se em bicos de pés para vê-los de cima para baixo. Tinha o cabelo quebradiço na zona de onde nunca devia ter começado a cair e no rosto de formato oval surgiam rugas que pareciam ter voltado a um lugar que conheciam muito bem.

Era sabido que por trás de um grande homem está uma grande mulher e, no caso dele, se não fosse a esposa os colegas estariam diante de um homem de caráter menos efusivo e certamente diferente daquele com que conviviam diariamente no escritório, mas que talvez valesse mais a pena conhecer.

Para esconder traços da dupla personalidade que o caracterizava, o pai de Rita ocultava na maior parte do tempo, um sujeito mais afável e generoso do que o indivíduo de poucas falas que se cruzava com eles nos corredores e mal lhes dirigia a palavra relativamente a assuntos fora do âmbito da sua profissão. Esse que o que os cumprimentava secamente era conhecido de todos por ser um chato e não gozava de um décimo da popularidade do seu sucedâneo, que só era visto em ocasiões excecionais e para se poder deslocar na sombra dele sem levantar suspeitas, devia ser mais magro e elegante do que o original.

Concluíra, sem distinção, uma licenciatura no Instituto Superior de Contabilidade e Gestão, na altura em que deveria ter ingressado num curso de Economia para em casa ajudar os pais a gerir o magro orçamento familiar de que dispunham.

Após umas curtas férias em que foi à praia bronzear-se para ter junto das raparigas o ar de quem gostava de desfrutar da vida ao ar livre, começou a enviar currículos às empresas e antes de completar as vinte e três primaveras, viu-se empregado numa firma de importação de artigos de pesca, cheio de ambição e com vontade de mudar o mundo, porque lá por as coisas estarem em constante mutação não queria dizer que ele não fosse capaz de mudar as de que não gostava desde que não se tivessem alterado de forma irreversível.

Odiava o que fazia, mas esse era o revés de, para quem queria tirar um curso superior, ter-se deixado influenciar pela família e enveredado por uma carreira que, na opinião de todos, sempre era preferível à de técnico na área de Comunicação Multimédia no Politécnico da Guarda, para onde iria estudar no caso de se esgotarem as vagas no horário pós-laboral de Gestão Artística e Cultural do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, que marcou como a primeira opção nos impressos de candidatura ao Ensino Superior.

Preocupada com a saúde da mãe, por sempre ter tido de trabalhar fora de casa e ainda assim, gerir a vida doméstica com o máximo de rigor, a Rita só lhe interessava que ela pudesse tirar umas férias para descansar. Queria vê-la feliz, mas recusaria que o fosse a qualquer custo. Detestaria vê-la radiante ao lado de outros homens, como estaria certamente o pai no meio de uma jantarada com os amigos, rindo à mesa das piadas que eles contassem e da possibilidade de, no final, nem a sua parte da conta ser chamado a pagar, porque sempre algum se embriagava ao ponto de querer pagá-la sozinho.

Odiaria vê-la com eles, nem que fossem colegas de profissão numa festa de beneficência, mesmo que ficarem a conversar para lá da hora do fecho do restaurante não implicasse um atraso tão grande como o que esperava nesse dia da parte do pai para chegar a casa. E se contribuísse para a felicidade da mãe, reencontrar-se sair com antigas colegas da Faculdade, sabia no mínimo de uma dúzia de nomes que bisbilhotara numa agenda da mãe onde ela anotava também os números de telefone, que duplicaria se contabilizasse todas as que deviam estar na situação dela, insatisfeitas por saírem muito menos vezes do que os respetivos maridos que andavam na borga sempre que podiam. No entanto, caso a mãe optasse por sair com gente mais nova e divertida do que as alunas do seu tempo, conjuntamente com algumas amigas, Rita estaria disposta a mostrar-lhe os atuais lugares de divertimento noturno, que seriam substancialmente diferentes dos do tempo em que excitante, para uma rapariga de dezassete anos, era os pais deixarem-na sair à noite com o namorado e não o sítio onde ele pudesse levá-la a dançar.

Preocupada com a demora do marido, a mãe de Rita viu as horas no visor do Citizen de bracelete de couro que pela celebração do décimo aniversário de estarem juntos, ele lhe ofereceu. Contudo, ela não percebia por que razão ele lhe tinha dado um artigo tão caro, se era ele que andava constantemente atrasado. Notou-se-lhe o desapontamento de saber que ia demorar, mas não seria inferior ao dele se entrasse naquele instante e verificasse que o jantar ainda não estava pronto para ser servido. E já passava das nove quando, da sala onde estavam a ver televisão, ouviram o tilintar das chaves no bolso de alguém que acabava de abrir e fechar a porta. Estavam presas a um desses porta-chaves que de um lado têm o emblema de um clube que luta pelo campeonato e do outro, a imagem do santo da devoção a quem, semana após semana, vão pedindo piedosamente que ganhe os jogos que faltam para cumprir esse grande objetivo.

Achando que o marido já bebera o suficiente, à mesa a mãe de Rita lembrar-se-ia de pedir às filhas que brindassem à chegada do pai com um copo cheio de néctar de pêssego. Lá em casa, as bebidas alcoólicas somente entravam por via das garrafas que, no Natal ou nos anos, alguém tinha a ideia de oferecer. Rodeava a data do aniversário com uma circunferência que a fazia notar-se mais no calendário dos que aos fins-de-semana e feriados que vinham escritos a vermelho. Todavia, elas nunca eram abertas, mantendo-se fiel ao hábito de não beber e não ser socialmente, o que lhe provocava dissabores, como o de quando, ingerindo apenas uma cerveja, rapidamente passava a um estado de euforia que deixava tristes a mulher e as filhas.

Seria desastroso para a reputação de Rita, se na escola as amigas descobrissem que, por trás da figura austera do pai, havia um homem que se portava da maneira infantil que tanto criticavam nos rapazes da sua idade. Deu Graças por ele não ser uma figura pública. Expondo a família ao ridículo, cada membro estaria sujeito ao julgamento diário ou semanal por parte de pessoas oriundas de famílias com pergaminhos a precisarem de restauro, consoante surgissem a criticá-los nos programas de antes da hora do almoço dos três canais generalistas ou, ao lado de uma fotografia sugestiva, nas páginas da chamada imprensa cor-de-rosa, cujas revistas não voltavam a ser publicadas no prazo de menos de oito dias.

Só com a opinião de Renata é que escusava de se preocupar, porque, como ocupava o tempo com leituras mais sérias, nunca tomava conhecimento dos escândalos que marcavam a atualidade e ocupavam os principais noticiários.

(Continua)