Rui, the self loser man

Rui cansou-se de esperar e saiu dali a correr. Estava de pé há mais de uma hora, assente nas pernas arqueadas que não ameaçavam ceder, e à dor lancinante nas costas veio juntar-se-lhe uma enxaqueca, como que a lembrá-lo que uma crise com inflamação da hérnia na região lombar, nem sequer era a pior coisa de que naquele momento se podia queixar.

Típico da estação do outono, o vento soprava em rajadas que faziam redemoinho, do género de fazer os troncos das árvores tremerem mas não de frio. A temperatura era amena e da vertente norte, de onde ele era proveniente, não se viam pessoas de agasalho vestido ou equipadas com anoraques como se receassem que ele atrás de si arrastasse a chuva.

De resto, o céu àquela hora, apresentava boas abertas, com escassas nuvens que, ainda que tivessem formas tão diversas como um cisne, não bastariam para desviar-lhe a atenção da missão que se aprestava para cumprir.

Como um militar na reforma, estava equipado com um daqueles coletes que têm muitos bolsos, polvilhado de nódoas à frente, como se fossem medalhas de mérito no peito de um general em exercício de funções. Por debaixo, vestia uma camisa aos quadrados, tão desajustada como seria desfilar num evento de moda dedicado à alta-costura, com as calças á boca-de-sino que trazia vestidas. Usava-as curtas, ao estilo dos anos setenta em Portugal, sinónimo de atraso que se reflete mais pelo modo de pensar da maioria das pessoas, do que propriamente pela maneira como elas se vestem.

Desmotiva-o terem-lhe, os colegas no escritório, sempre menosprezado as capacidades. Certamente as coisas nem sempre lhe saíam a contento dos superiores, mas Rui, que era muito competitivo esforçava-se por fazer melhor do que os outros, de maneira a que quem de si dissesse que trabalhava mal, estaria implicitamente a considerar que os colegas eram ainda piores.

Rui entrou numa rua que avançava numa direção oposta à casa onde vivia. A irmã, com quem partilhava um apartamento de duas assoalhadas, não reclamava a presença dele em casa. A seu ver, era perfeitamente dispensável a presença de uma pessoa que não servia para fazer companhia ao serão. Rui jantava em silêncio e depois trancava-se no quarto quase às escuras. Até de madrugada, ligado ao computador como se este fosse uma máquina de suporte essencial à vida, só saía para ir à casa de banho ou à cozinha buscar alguma peça de fruta para comer.

Diversas vezes, a irmã, de ouvido encostado à escuta, apercebia-se de sons estranhos vindos do portátil e surpreendia-o de voz baixa a responder a alguém num idioma estranho parecido com o dos países de leste, e que devia ter aprendido às escondidas com uma professora que não deixaria de repreendê-lo por causa do sotaque que era parecido com o árabe.

Por ter esperado tanto tempo à espera em vão, Rui estava visivelmente irritado. Naquele momento, que não lhe surgisse à frente a irmã, agastada por se ter ido deitar na véspera sem jantar! Furioso, estava capaz de desferir-lhe um golpe mortal que aprendera na Internet, nela ou em quem se atrevesse a barrar-lhe o caminho.

Foi a caminho de uma estação do Metro que àquela hora começava a ficar apunhada de gente. Estugou o passo e na escadaria de acesso passou rapidamente à frente de um grupo de turistas escandinavos que deviam ter continuado a pé, para não ficarem, de Lisboa, com a ideia errada de que a melhor maneira de conhecer a cidade não é percorrendo as suas praças, ruas e ruelas ao ar livre, desfrutando do sol.

Não ficaram a saber do que morreram dezenas de pessoas que estavam ao seu lado na estação, esperando uma carruagem que as transportasse a casa. Ficaram desfeitas com os estilhaços, mal despoletou as granadas trazidas nos bolsos do colete, que eram o disfarce ideal até para uma bomba de maiores dimensões que quisesse transportar sem levantar suspeitas.

Mas não foi preciso. A carga de dinamite que transportava, infelizmente daria para ter desfeito mais do dobro das vítimas e de toda a parte se ouviram pedidos de socorro que só tardaram a ser atendidos pela dificuldade de acesso das equipas de bombeiros que chegaram ao local.

Somente um casal de namorados escapou ileso. Quase sem ferimentos, são a prova de que sempre restarão sobreviventes e que por mais bombas que lancem, por maior que seja a destruição causada, jamais os falhados deste mundo vencerão, através do flagelo de inocentes, uma causa eternamente condenada ao fracasso!