Será?

Enfim, as tão esperadas férias chegaram e com elas a disponibilidade de tempo para as atividades de laser que outrora era impraticável. Uma das tarefas que me fascina é a arte, mais especificamente, a arte de escrever, podendo demonstrar através do silêncio o barulho ensurdecedor provocado pela incoerência humana.

Moro em uma cidade razoavelmente pequena, o que não possibilita muitas alternativas de laser para gozar as férias.

No entanto, buscando inspiração para redigir algumas linhas, colocar o preto no branco, como dizem os mais velhos, às tardes, dirijo-me ao jardim da praça principal para observar o movimento da cidade. Apesar da apatia presente naquela praça aquele dia 25 de dezembro de 2016, algumas cenas me chamaram à atenção.

Mesmo em pleno natal, no qual tendemos a creditar que as pessoas estão tocadas pela magia dessa data linda, mesmo para aqueles que não são cristãos, percebi que os jovens da minha cidade não comungam da ideia de que o próximo existe. Sentado naquele jardim, de onde tinha uma visão privilegiada, observei diversos jovens imbuídos do conceito de que o mundo é composto por apenas uma pessoa pilotando um moto. Pelo pude entender, o próximo não existe, as outras pessoas não fazem parte desse plano, devem ser invisíveis.

Sei perfeitamente o que é uma moto, mas a parti daquele dia, uma máquina que possuísse duas rodas, meu cérebro irá renomeá-la como sendo “a máquina da morte”. Não cheguei a conhecer Hitler em pessoa e não me arrependo por isso, até sinto um enorme alívio, apenas fui informado das atrocidades que ele cometera, mas diante daquelas cenas que eu assistia, posso afirmar que tive a sensação de que o chefe do nazismo ressuscitou e é responsável por dezenas de vítimas. Porém, em vez de está comandando a carnificina ele próprio, transformou-se em moto, através de processo de mutação inexplicável e continua cometendo as mesmas práticas de outrora. Compreendi que até o mal consegue se modernizar.

Naquela tarde de domingo, cheguei à conclusão de que minha cidade não é tão calma o quanto pensava. Todo dia o carro de som que anuncia as mortes, tirando o sossego dos pais de família, convidando a população para mais um sepultamento, morte causada pela direção perigosa, na qual está no controle dos jovens motos, que se tornam assassinas. O silêncio da cidade é interrompido pela incoerência dos jovens que insistem em desafiar a lei da física, tão bravamente desvendada por Isaac Newton.

Sento naquele lindo jardim, compreendi que não se pode culpar as pobres motos pelas várias vidas perdidas ou jovens paralíticos. Além da falta de equipamentos para pilotar com responsabilidade uma mota, percebi também que os pilotos ignoram totalmente as ideias de Isaac Newton, bem como, seja por desconhecimento ou espírito de aventura, ignoram também o nosso grande Santos Dumont, que fez várias pesquisas e testes para colocar o avião para voar. Como nós sabemos, uma moto é composta por duas rodas, não duas asas.

Mas, uma coisa meio paradoxal nos chama atenção. O logótipo da marca de uma fabricadora de moto faz apologia ao universo dos pássaros, atribuindo aos pilotos asas da liberdade, é mesmo uma incoerência humana, uma vez que sabemos asas têm quem voa, não que roda. Talvez os jovens ainda não compreendam essa simples diferença ou não foram apresentados a Newton.

Fiquei imaginado, após chegar a essa conclusão, que talvez o fato de as motos proporcionarem asas para a liberdade, explique o porquê os anjos, sejam os do bem ou do mal, vai depender da crença de cada leitor, andem tão ocupadas ultimamente, a ponto de não puderem evitar o grande número de acidentes automobilístico que vem atingindo minha pacata cidade. Pelo visto, as duas rodas não proporcionam tanta liberdade, como garante o logótipo. Sentado naquele jardim, foi possível observar o quanto os jovens estão caminhando para o precipício. Observar é muito fácil, difícil mesmo é compreender os comportamentos que envolvem as pessoas.

Então, entendi, naquela tarde de natal, o motivo porque o IBGE garante que o Brasil se encaminha para um país de idosos e eu pretendo ser um deles, mesmo tendo em minha garagem duas motos.

Crónica enviada pelo leitor Manoel Matos