Sofia

Tão grave como no Curriculum Vitae de um candidato a emprego, ele não mencionar o grau académico ou um número de telefone de contacto, seria falar dela não dando a devida relevância ao facto de ter as pernas mais bonitas que eu já vi.

Uns membros inferiores de sonho, como aqueles que a tantos homens têm servido de pretexto para preferirem uma mulher em detrimento de outra ou, a inúmeros poetas, de resposta à pergunta de quando lhes pedem que digam o nome de algo que considerem tão perfeito como a métrica dos seus poemas.

Conheci Sofia numas férias, em casa de um amigo a quem me sentia na obrigação de apresentar umas miúdas giras, em troca de, desde há dois meses, andar-me a fazer os trabalhos de casa, como se devesse sentir-se tão obrigado a cumprir o meu papel, que com ele é que eu deveria mandar a minha mãe ir ter, nos dias em que vem com cara de má, pedir-me contas por ter saído de casa com a cama por fazer e o quarto por arrumar.

Tínhamos ambos treze anos, esse meu amigo e eu, e de Sofia, que era mais velha, eu já tinha ouvido falar em termos lisonjeiros, havendo quem se referisse como à rapariga que todos os rapazes da minha idade gostariam de namorar … todos exceto os da turma dela que, que tal como nós gostavam das raparigas mais velhas e, por isso, andavam já a catrapiscar as que frequentavam os nono e décimo anos.

Sofia era a mais nova de três irmãs que nasceram sob os auspícios do verão. A pele era branca como a areia de uma praia, os olhos brilhavam como o sol e, sempre que as via, o meu coração palpitava e a temperatura do meu corpo ameaçava subir para valores nunca antes registados nas estações meteorológicas mesmo nos meses mais quentes.

Conhecendo-me como conhecia, tinha uma confiança ilimitada no meu poder de sedução. Confiava que todas as mulheres fossem vaidosas e que durante muito tempo ela não haveria de resistir ao meu charme. Cruzava-me com ela, assobiava mesmo quando ela passava de rosto fechado como se estivesse dececionada de eu não ter flores para lhe oferecer e, sem dar a entender que estava diante de um rapaz que da mais recente namorada ainda guardava a imagem de tê-la visto nua, sorrateiramente chamava-lhe princesa, sim princesa mas, para não sofrer de amor, de um reino situado aquém da linha de fronteira para além da qual é que o meu coração estava autorizado a sentir saudades.

Tinha olhos da cor de amêndoa mas cabelos capazes de rivalizar em beleza com o fenómeno das amendoeiras em flor que a todos encanta. Tinha a figura de uma mulher imponente, em tudo o que afirmava era coerente, era de todas as que eu conhecia diferente e só lamentava que não tivesse o dom de ser omnipresente, porque gostaria que marcasse presença em todos os sítios ao mesmo tempo, sobretudo onde eu estivesse para quando me apetecesse virar a cabeça, poder vê-la ao meu lado.

Mas muito embora Sofia fosse extremamente bonita, era das pernas dela que eu mais gostava, apesar de, para minha infelicidade, nunca nenhuma ter dado um passo na minha direção, no sentido de nos aproximar. Eram bem torneadas e altas, tão altas que me faziam crer que se, da altura delas, eu algum dia pudesse ver o mundo, certamente veria a tantas centenas de quilómetros como as que até hoje, infelizmente, continuam a separar-nos.