ST Simplesmente Tua

Era o nome da capital de um país europeu na zona dos Balcãs, mas não me surpreenderia que, traduzido à letra, Sofia em Búlgaro significasse flor ou fosse como chamavam à mais bonita e delicada de todas, de entre aquelas que nasciam da margem que fazia fronteira com o Danúbio até já de onde se avistava a Grécia.

Tinha trinta e dois anos e era do tempo em que às meninas punham mais do que um nome próprio, nem que apenas servisse o segundo para saber destrinçar das vezes em que a mãe estava bem-disposta, quando ela se punha a chamá-la descontente porque alguma coisa com responsabilidade sua já não lhe corria inteiramente de feição.

Há muito deixara de vê-la como criança, a mãe, para quem, no entanto, Sofia continuava a ter graça em tudo o que fazia. Desde essa altura, deixara de preocupar-se tanto pela ausência da filha no estrangeiro, a trabalhar longe de casa. E admitir o contrário seria como se imediatamente a não teletransportasse para junto de si, quando se punha a pensar nela, como estava vestida e calçada no dia à partida de Lisboa para apanhar embarcar num voo direto rumo à capital espanhola, com um sorriso estampado no rosto que era a sua imagem de marca. Outra haveriam de ser as duas iniciais tatuadas no braço, que não fosse serem as letras do seu nome, bem poderiam querem dizer Simplesmente Tua, isto no caso de não serem alguma mensagem cifrada, destinada a alguém e há muito tempo gravada no seu coração. Só a constrangia, não poder acudir à filha tão rapidamente como gostaria, nalguma daquelas situações que por vezes nos afetam sem que tenhamos tempo para pensar.

Do pai, Sofia herdara além do apelido, o espírito rebelde e o inconformismo que nela resultaram numa mulher independente, mas consciente de que não havia laços que melhor a prendessem à vida do que o amor que sentia pela mãe. Pela família, pelos amigos que deixou para trás e pelos animais, mas por estes seres vivos o sentimento era diferente. Fazê-los sentirem-se desejados, não era no caso dela apenas disponibilizar-se para, no lugar do namorado, levá-los à rua a passear, quando ele estava confortável se pantufas a ver televisão. No caso do cão de raça Pitt Bull que tinham em casa, brindava-o com mimos de que não faria ter vontade de se queixar à respetiva sociedade que lhes defendia os direitos, nem o cachorrinho mais mimado que nas noites frias até com a dona estivesse habituado a dormir sob o edredão.

Em Portugal, Sofia trabalhara até como balconista num atelier de um centro comercial, mas era agora Auxiliar de uma Educadora de Infância numa creche pública na estância balnear de Salou a uns oitenta quilómetros de Barcelona, onde o que se lhe notou desde que chegou, foi que era uma pessoa muito alegre e que, tanto como às crianças dos três aos seis anos que estavam ao seu cuidado, o futuro a ela também pertencia.

Num país estranho e inóspito, enfrentou as dificuldades de lidar numa nova Língua com a necessidade de partir à descoberta de uma cidade para a qual não se tinha preparado. Não pronunciava uma palavra de Catalão e mesmo em Castelhano não sabia senão expressar-se para pedir ajuda para poder ir aqui ou acolá ou, num restaurante, indicar o que lhe apetecia comer. Tornou-se tarefa mais fácil quando um rapaz natural de Tarragona, em que andou interessada, se disponibilizou para acompanhá-la a tratar da papelada com que, em pé de igualdade com as suas colegas espanholas, deu entrada no Banco com um pedido de empréstimo para a compra de uma casa. A mesma onde vive há dez anos a pensar que só regressará a Portugal se eventualmente as coisas por cá mudarem para melhor.

O comportamento dos políticos, as mentalidades em geral e aumentem as oportunidades dadas a jovens escritoras como ela, de inspiração fácil, para poderem divulgar aquilo de que são capazes. Para já, Sofia foi capaz de nunca ter parado de escrever e até conseguiu tornar-se cronista num blogue onde publica, a par de manter atualizado o que em nome próprio criou chamado Do Meu Farol, de cuja torre desponta alguma da luz que a quem o vê, nem que seja ao longe, já ele não deixa que se perca na escuridão.