Tal e qual é Natal

Boa da raiz dos cabelos à ponta dos pés, como a classificaria quem dela se aproximasse a tão curta distância que não sobrasse espaço para apreciar a forma como pensava.

Desconheço o nome dela, pelo que resolvo chamar-lhe Patrícia. Uma palavra de significado nobre, com origem no Latim, para homenagear a pessoa que teve a gentil ideia de me oferecer bilhetes para ir no dia um de dezembro ao circo. E Bandeira, porque é tão bonita que já só faltaria compor-lhe um hino para se tornar símbolo de todas as mulheres que buscam tornar-se independentes.

Chegou acompanhada do marido ou namorado e sentou-se, primeiro noutro lugar e depois à minha frente, como se repentinamente tivesse percebido onde deveria estar para eu melhor poder observá-la ao pormenor.

Reparei que era alta quando se levantou e tirou o casaco de pelo na gola, que mantinha o pescoço aquecido como se fosse uma manta, e consegui ler-lhe no rosto a conclusão de um verso para o qual um poeta há muito tempo andava à procura da rima perfeita.

Tinha olhos e cabelos castanhos, da cor que em sua homenagem deveriam ter mandado pintar a tenda do circo por dentro e enquanto a admirava, pensava em dedicar-lhe uma canção romântica que, quando passasse na rádio, mantivesse o ouvinte atento pensando que ela lhe era dedicada.

Consigo tão perto, à distância de dois palmos, custava-me não poder enredar-lhe o cabelo com a palma da mão aberta à espera do contacto da sua, nem acariciar-lhe a pele, como se esta ação fizesse parte de um plano que tinha em mente para abordá-la à saída e inquirir a que hora, mais tarde, poderia passar em sua casa.

Era por demais doloroso, ter de ocultar o que sentia e ser obrigado a ficar sentado, preso à cadeira, à espera de ver acabar o espetáculo, que bem podia terminar com uma ida dela ao centro da pista onde atuavam os malabaristas, para receber de pé a merecida ovação em sinal de reconhecimento do público.

Trocámos breves palavras, da parte dela em agradecimento, por me ter dirigido a um senhor de pé ao lado dela, pedindo-lhe que se sentasse e deixasse ver a atuação dos palhaços, que me faziam rir como se fosse por ver que ela achava piada a praticamente tudo o que eu dizia, o que a tornava tão curiosa a meu respeito que até já estava interessada em saber o meu nome.

Voltou-se de novo para trás, quando a propósito de um número de trapezistas que exigia uma dose elevada de destreza e concentração, referiu que eram os únicos capazes de reproduzir na perfeição, a atuação de qualquer dos artistas que tínhamos visto até ali. E que já sabia como ia terminar, porque era tal e qual o espetáculo que vira há cerca de um ano.

Depois disso, toquei-lhe outras duas vezes no ombro, para vê-la voltar-se com um sorriso tranquilo que era como se dispensasse apresentações, porque tinha a certeza de que o nome haveria de ser igual ao de outra mulher que eu já tivesse amado.

Por fim, despedi-me e desejando que passasse um resto de dia feliz, só não disse que gostaria de convidá-la para irmos ao teatro ou simplesmente jantar na véspera de um dia em que haveríamos de passear de mão dada pelas ruas da capital. Que adoraria levá-la para um outro lugar de onde não viesse com a clara sensação de o tempo ter passado tão depressa.

Levantei-me e vim-me embora, só não disse para onde, além de não ter formulado o meu desejo em voz alta, não fosse o sujeito ao lado dela, que devia ser marido ou namorado, ouvir e querer vir também inspirar-se no intuito de tentar surpreendê-la com ideias tão boas e originais como as minhas.

Não creio que torne a vê-la. Embora o circo só volte daqui a um ano ao mesmo lugar, tenho a certeza de que seria capaz de reconhecê-la no meio de uma multidão de outras mulheres igualmente bonitas. Mas se isso acontecesse, ela seria a única a quem teria vontade de dizer que era tal e qual no tempo presente, a perfeita conjugação do verbo Amar num futuro-mais-que-perfeito.

Festas Felizes