Trump: mas porquê?

Tenho ouvido e lido muitas “teorias” sobre a razão da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. E ao contrário do que alguns “neo-salazaristas” dizem por aí, respeito todas. Mas não concordo com todas.

Antes, durante e mesmo após a campanha (através do site oficial), Trump disse coisas que eu nunca imaginaria ver e ouvir algum candidato de um país democrático e (supostamente) evoluído dizer.  E não estou a falar de afirmações como “não entendo porque não se pode abrir as janelas durante os voos [comerciais]” como disse o candidato republicano há 4 anos atrás. Foram afirmações muito mais graves, que mostraram o quão preconceituoso, xenófobo e desrespeitador dos direitos da mulher ele é.
Para além disto (como se já não fosse suficiente), é alguém que se orgulha de ludibriar a justiça fiscal do país que se prepara para liderar, dizendo com um sorriso nos lábios que conseguiu não pagar impostos por várias vezes em algumas das suas empresas. E, apesar de dizer que queria apoiar mais os veteranos, disse que ia cortar no programa Obamacare, isto é, no apoio de saúde gratuito a quem não tem possibilidade de comprar seguros de saúde. E esta já é uma posição reconsiderada, pois durante a campanha não disse que ia cortar no programa, mas sim acabar com ele (e quem quisesse cuidados de saúde tinha mesmo de comprar um seguro).

Mas se ele é assim tão mau, porque é que ganhou? Primeiro ele tomou partido de um sistema que ele próprio criticou há uns anos atrás, o sistema dos colégios eleitorais. Sem ter tido a maioria dos votos, conseguiu ainda assim ser eleito. Mas tanto democratas como republicanos foram “a jogo” sabendo das regras, por isso nem podemos ir por aí. Para mim a grande razão da vitoria do magnata que acha normal entrar em vestiários de concursos de beleza enquanto as concorrentes estão semi-nuas foi o populismo.
Aproveitando o facto de muitos americanos estarem insatisfeitos com os políticos (basta ver pela abstenção) e muitos acreditarem que a insegurança é provocada pelos estrangeiros no país (embora as noticias tenham demonstrado até aqui que os atentados em escolas e centros comerciais têm sido sempre levados a cabo por americanos), foi só dizer o que eles queriam ouvir, independentemente de ser exequível ou não.
Não importa se é possível ou não fazer um muro ao longo da fronteira com o México. Mas é importante afirmar isso para ganhar os votos daqueles que acham que todo o mexicano é traficante de droga e/ou violento. E o importante é dizer que vamos vigiar todos os muçulmanos, para ganhar os votos dos mentecaptos que acham que todos os muçulmanos são terroristas. E nesse sentido os assessores foram inteligentes. Sim, porque eu não acredito que tenha sido ideia dele.
Para além da ideologia, há a questão económica. Trump é um empresário que diz que quer por mais dinheiro nas empresas para recuperar a industria americana. Só depois vem a preocupação com o emprego. Ele defende, por exemplo, que os Estados Unidos deixem de participar nos programas da ONU para minorar os efeitos das alterações climáticas para investir na industria americana, entre outras, da extração de carvão. Problemas ambientais? Isso não importa nada. Importa é o dinheiro para quem tem para investir.

Trump é um empresário que nasceu em berço de ouro. Que começou a investir com uns milhões dados pelo pai. Perdeu várias vezes e recuperou esse dinheiro. Já levou várias empresas à falência, mas dessas raramente fala. Mas não se coíbe de dizer que a sua vida está cheia de sucesso e que a sua fortuna é maior do que as avaliações já feitas, inclusive a da reputada revista Forbes. Não tem qualquer experiência politica ou militar, o que por um lado lhe deu mais votos (dos descontentes com a política), mas não dá qualquer segurança no que toca à confiança dos parceiros mundiais de que vai ser capaz de gerir os destinos de uma das maiores potências mundiais. E o próprio Donald Trump sabe que a América não sobrevive sozinha. Muitas das relações comerciais das empresas americanas são com o exterior. E o exterior tem de acreditar na estabilidade americana para continuar a investir. Para não falar no que fará Trump com o poder bélico que os EUA possuem e com os conflitos onde estão envolvidas tropas americanas.

Ainda é tudo muito recente e a incerteza ainda é muita. Mas tendo em conta a influência que a politica e economia americana tem a nível mundial, eu gostaria muito de, daqui a 4 anos, estar a dizer:
– Epá, estava enganado! O Trump revelou-se um excelente presidente!
Oxalá aconteça.

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990