Quando chegar aos 84 anos, como tu, quero ser assim…acalmar o que estiverem ao meu lado e fazê-los sentir essa paz!

Tu, nós, o temporal, e a queda da velocidade da luz! – Mi Céu

Quando chegar aos 84 anos, como tu, quero ser assim…acalmar o que estiverem ao meu lado e fazê-los sentir essa paz!
Quando chegar aos 84 anos, como tu, quero ser assim…acalmar o que estiverem ao meu lado e fazê-los sentir essa paz!

Uma semana passada. Tanto para tão pouco.

Mas esse pouco, é o muito que por vezes, nos falta!

Em resumo. Natal e  acidentes à mistura! Não combinam, pois não? Pois, aconteceu de tudo um pouco!

Algumas coisas boas ajudaram a salvar a minha, a nossa semana, que passou à velocidade da luz!

Tenho reparado que o tempo tem passado mais rápido! Porque será? Parece que tudo acontece muito rápido…não porque queiramos, mas porque fazem para que isso aconteça…imaginem só, que até os pneus do meu carro ficaram carecas mais rápido! O Natal cada vez começa mais cedo! Os anos passam num ápice! Tanto que já está mais um a terminar!

Choveu muito. Parecia não parar.

Aqui por casa, reinou o temporal, ou talvez mais um vendaval humano! A terceira idade faz-nos destas partidas!

Desde virar água a ferver, em cima da desgraçada mão esquerda! A mesma que ficou presa na janela a semana passada! Aguardem a cena dos próximos capítulos…esperemos não os haja, com tanta gravidade!

Depois, foi a tua vez! Idosa, mas activa, ainda! Decidimos deixar-te à tua vontade a fazeres uma tarefa doméstica, que sentias muita saudade de realizar!Fazer sopa! Sem imaginarmos no que ia dar! Quando por momentos nos ausentamos! Uma valente queda!

Resultado, partiste os óculos, tiveste de levar pontos e ficaste horas sem fim no hospital em observações e exames a tudo e mais alguma coisa! Fizeram o que tinha de ser! Mas para a tua idade, este compasso de espera num sítio como aquele, sem os teus, sem as tuas coisas…maçador e massacrante!

Como dizes e muito bem, podia ter sido pior!

Acidentes, como o desta semana na cozinha, têm sido mais frequentes nos últimos anos!

Por norma, em qualquer lado que vás, pensam sempre que serás nossa avó! Daquelas avós que duram sempre! Viste-nos nascer, crescer…e agora sou eu, que te ajuda a dar os passos, quando mais te custa! Cuido de ti, como já cuidaste de mim! Não! Rectifico! Cuidaste e cuidas de todos nós!

Penso muitas vezes! Porque tanto insistem em meter-se contigo! Pelo melhor e pelo pior motivo! Não cheguei ainda a nenhuma conclusão! Pela tua idade? Pela tua postura? pela tua forma de ser? Tudo leva a crer que é pela tua diferença!

É como se ser diferente, incomodásse! Ou fizesse mossa, a quem insiste, persiste, mas não o consegue simplesmente! Admiro-te como quem admira o Cristo Rei, sim esse mesmo! O do Rio de Janeiro! Acho que todos os que tiveram oportunidade de te conhecer, te admiram igualmente!

Tens em ti o mundo! Nem um livro leste! Nem uma letra sabes! Mas aprendeste quase sozinha os números e sabes fazer contas! Não gostas de aprender, dizem! Mas fizeste questão de aprender a contar o dinheiro! Para te puderes desenrascar! Claro e para ninguém te enganar!

Agora com o cabelo todo branco, tens ainda mais aquele ar que faz jus a uma frase que me passou pelas mãos há uns bons anos! “Mais vale aprendiz de tudo do que mestre de pouco”. Possuis toda a sabedoria do saber viver!

Adoras fazer perguntas, sobre tudo e sobre nada! Gostas de falar do teu passado, como se tivesse sido ontem que tudo aconteceu! Não gosto nada de te ouvir dizer que estás velha! Pior ainda, quando falas da morte!

A terceira idade, é o auge da vida de uma pessoa! Desde que ela saiba viver essa mesma fase! Assim como quem acompanha o idoso, saiba igualmente lidar com as suas limitações! Não são menos capazes, apenas mais limitados! Precisam de mais compreensão, companhia e amor!

Gosto de te ver sorrir! Ouvir as tuas histórias infinitas, da tua juventude! Do pedido de casamento que tiveste, mas que nunca se concretizou! De quando vendias fruta! De quando nós nascemos! Quando nos falas dos teus irmãos, nossos tios! Alguns ainda connosco, outros não infelizmente!

Falas com saudade! Ao mesmo tempo, sabemos que tudo o que viveste, foi sempre com a tua entrega tão própria aos outros e à vida!

Mas mais do que tudo o que descrevo, é a tua capacidade de nos amar! Apesar da chuva lá fora e cá dentro! Apesar da crise! De ser sábado, Natal ou outro dia qualquer! A tua serenidade acalma-me! A mim e a todos os que convivem contigo! Descobri isso com o tempo!

A força e o brilho que sempre trazes contigo! Basta ver-te caminhar! Com toda a dificuldade, que isso possa ser, para ti! Nunca deixaste que nada te fizesse parar! Cada vez que cais, penso se te irei conseguir levantar outra vez! Agarras-me com toda a força! É na tua força, que ganho forças que desconheço para te levantar, sempre!

É nessa força que consigo ir à chuva ou ao frio levar-te as vezes necessárias ao Hospital, às consultas ou às urgências!

Raramente, te ouço a queixares-te, realmente! Apenas dizes “ai ricas pernas, o que vós foste e o que vós estais!” Quão impotente me sinto nesse e noutros momentos, em que sei que pouco ou nada consigo fazer para recuperares as tuas pernas! Para não caíres! Para não te esqueceres das coisas! Enfim, para adiar as consequências da tua idade! 84 anos! É com tanto orgulho que a dizes! E, ficas a pensar em tudo o que já passaste, continuas, mas ainda cá estás! Traduz toda a tua garra nesta vida! És para nós um verdadeiro exemplo e lição de vida!

Tudo o que se pode ser, baseado na sabedoria das experiências, da convivência e entrega aos outros com amor!

Hoje, ficarei acordada, até à hora que for! Porque faça chuva ou faça sol, vou-te trazer para casa! Dirás ao entrar  aquela tua expressão“minha casa meu lar”! Palavras puras! Porque aqui sim, sempre foi o teu lar! A tua família! Onde tiveste filhos e netos sem ter! Onde quiseste ficar a morar! Até ao fim dos teus dias! E onde nós sempre te queremos! Porque fazes parte de nós!

Muitas vezes, olhas para nós e proferes: “Criar é amor!” com um olhar que faz o eco às tuas frases tão doces e inocentes!

O que seria de nós sem ti Tiota?…sempre estiveste aqui para nós! Agora é a nossa vez, de estarmos aqui, sempre para ti!

És uma super tia, mãe, mulher, tia avó…tudo! Nenhuma palavra, consegue transmitir a dimensão, do que significas na nossa vida!

Vês-me a escrever a crónica, direccionas a tua atenção para os meus movimentos  e perguntas-me o que faz este aparelho (pc)! Explico-te! Resumes, que “é algo que te faz descansar a memória!” Fazes-me soltar um sorriso e dar-te um abraço daqueles que só nós sabemos! Continuas a olhar para o pc e dizes-me, “é curioso sabes! Quem sabe, sabe! E mesmo a saber, muitas vezes, não sabe!”. Continuas sentada no meu quarto, a veres-me a escrever!

Fazes perguntas e curiosa como és, vens tocar no teclado várias vezes, para sentires como é! Dizes “eu dava eu doida se tivesse de fazer alguma coisa aí! Dava mais em doida do que fina! Quanto mais mexes, mais enlouqueço!”. E é sempre assim, fazes-me rir, o que dizes pode parecer nada, mas é tanto se o soubermos entender!

De repente, mudas de assunto, e começas a relembrar a mocidade “Tenho a idade que tenho e namorei, queria-me pedir em casamento e foi-se…deus escreve direito por linhas tortas! É tão radical quando as coisas acontecem assim. Já não tinha de ser para mim!” Adoro ouvir-te, e ver a forma como nos dás atenção, quando falamos!

“Francamente, há-de haver poucos que façam isso…” espreitas por cima do monitor, como uma criança admirada, a olhar, dou contigo de boca aberta, enquanto me observas! Dizes que não me queres empatar que é melhor ires para outro sítio! E começas a soltar as tuas gargalhadas contagiosas, sem motivo aparente…voltas a debruçar-te sobre o pc!

Quando chegar aos 84 anos, como tu, quero ser assim…acalmar os que estiverem ao meu lado e fazê-los sentir essa paz! Conseguir colocar um sorriso no rosto! Devorar diospiros, doces, chocolates…enfim, ser um bom garfo! Embora não carregue tanto no sal como tu! Acho que levo jeito também na cozinha! Afinal, aprendi contigo, muito do que sei!

Se não fosse o teu espírito aventureiro, não terias ido parar à urgência do Hospital! Quiseste ser tu a fazer a sopa! A verdade é que aos 84, já levas uma contagem de sopas para o guiness! Venha quem vier, ninguém consegue, bater o teu caldo verde, nem as tuas larocas (mais conhecidas por pataniscas) ou aquele rolo recheado de um doce dos deuses…

Diria que pessoas como tu, não se consegue plagiar ou reproduzir! És única! Como tantos, que já passaram pelo mesmo que tu! Ainda bem que nos tens a nós e te temos a ti!

Em jeito de conclusão, acrescento que por vezes, precisamos que aconteçam algumas coisas menos boas, para sabermos valorizar o que de bom acontece e desfrutarmos de outra forma! Quando sentimos que podemos perder os que amamos, fazemos uma retrospectiva de tudo e damos realmente valor à sua existência!

Que tenhamos sempre a capacidade de cuidarmos de quem cuidou de nós! De fazermos essa entrega de coração!

Deixo para reflectirem, algumas palavras tuas, “Só é tolo quem se mata, atrás de um dia vem outro, não há coisa mais barata.” (a nossaTiota)

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