Um certo provincianismo português chamado Casillas

Primeiro que tudo, e antes que perca alguns dos poucos não fanáticos por futebol sem hipótese de recurso, asseguro-vos que o artigo fala sobre um jogador de futebol, sobre futebol, mas o tema não é futebol.

Este ano, a contratação mais consensual do famoso “defeso”, foi a transferência de Iker Casillas para o Futebol Clube do Porto. Não foi só consensual a Norte, também o foi a sul, a este e a oeste de Portugal. E acredito, que mais Portugal houvesse, mais sinais de consenso sobre esta transferência encontraríamos.

Os argumentos são vários, o currículo impressionante, a postura de líder, a sua grande qualidade na função de guarda-redes, a visibilidade ímpar que o nosso campeonato iria ganhar com ele, e poderia continuar até vos entediar, como entediado fiquei com a repetição em massa de frases feitas sobre esta “divindade futeboleira”.

À partida, para quem não conhecesse nada de futebol, pensar-se-ia que no nosso campeonato, nunca tivessem existido jogadores de classe mundial. E por isso, até a maneira como a família do jogador nos tratou, teria que ser encarada como uma punição merecida, fruto dum pecado, duma cobiça inusitada, quiçá megalómana, em que um clube português, um clube dum campeonato medíocre, um clube medíocre, ousou pretender tão cintilante estrela. E daí, seria razoável, diria até justificável, toda esta adoração, afinal, a estrela cintilante acedeu a baixar dos céus de Madrid para se misturar com o pitoresco Porto.

Pois bem, talvez seja verdade, e o que vou dizer seja duma tremenda imbecilidade, não digo que não, o futebol é tão subjetivo. Mas, aos meus olhos nada técnicos, Casillas foi despedido por mais de três anos de incompetência, Casillas sempre revelou crónicos problemas nas saídas aos cruzamentos, Casillas sempre preferiu esconder as suas debilidades crónicas ficando na linha de baliza a ajudar os seus colegas fora dela e Casillas nunca foi um guarda-redes que desse uma grande segurança a uma defesa.

Mais, sob o risco de estar a sucumbir ao meu “portismo”, e provavelmente cedendo à parcialidade a que a subjetividade é tão dada, ouso lembrar-me de nomes como Deco, Falcao, Hulk, Moutinho, Otamendi, Maniche, Baía ou Helton. E claro está, também aqui, poderia continuar até entediar toda a gente, porque correndo o risco de incorrer noutra imbecilidade, na minha opinião, nunca faltaram jogadores de classe mundial ao meu clube.

Pedindo desculpa aos não fanáticos, ainda que de forma tardia, mas não faltando à promessa, podemos finalmente analisar o tema deste artigo.

De onde vem este provincianismo português?

Estarei novamente a ser exagerado, talvez até com laivos de patriotismo balofo, que não tentarei contrapor, seria um exercício de futilidade, nunca vi ninguém defender-se duma ideia pré-concebida com sucesso, e não me parece ter talento para ser o primeiro.

Mas, como é tão bom testemunhar a imbecilidade alheia, façam-me o favor de seguir este raciocínio, e porque não, regozijar com ele.

Se retirarmos a área de actividade e o nome, o que temos é um profissional espanhol, despedido por incompetência no seu País, recebido como um Deus, que tudo pode, tudo lhe é concedido e tudo lhe é perdoado em Portugal. E por acaso, pertence a uma área de actividade em que nos afirmamos, talvez como em nenhuma outra.

Poderão dizer-me que esta questão é futeboleira, mas podemos encontrar pedaços deste provincianismo por toda a parte, nos mais diversos locais. Ao domingo, se formos passear por um qualquer shopping dos muitos que abundam pelo País, veremos muitas pessoas vestidas com as camisolas dos seus clubes, os tais que são logo apelidados de “azeiteiros”. Pois bem, não digo que não correspondam à designação popular, mas se no mesmo local, aparecerem uns quantos jovens adultos, os mesmos que são rápidos em rotular os outros de “azeiteiros”, com umas t-shirts dos “LA Lakers”, ou dum qualquer clube de futebol americano, já não serão jovens “azeiteiros”, serão jovens que seguem a moda.

E o melhor dos exemplos desta nossa tendência tão portuguesa, é o nosso famoso e deveras edificante “portunhol”, exibido com tanto orgulho, desde o empregado português a comunicar com o seu homólogo espanhol, ao líder da empresa a falar com os seus empregados espanhóis, e até mesmo, aos nossos políticos.

E a questão permanece, de onde virá este arrebatamento? Talvez seja genético. Ou talvez, a culpa seja da “outra Senhora”, aquela outra que nos educou mal, que nos fez assim, que nos traumatizou. Porém, já seria tempo de ultrapassarmos este trauma, alguns de nós nem sequer estávamos vivos quando essa “outra Senhora” morreu, e tantos exemplos existem, de traumas tão maiores que esse na juventude, serem ultrapassados na fase adulta, que só me apetece dizer, talvez caindo novamente no campo da imbecilidade, que o que nós precisamos é de crescer.

Para finalizar, e não me levem a mal os não fanáticos por futebol, retomo o exemplo com que comecei, com apenas duas frases.

O patriotismo exacerbado espanhol elevou Casillas, o exacerbado provincianismo português não o deixou cair. Dito isto, aplaudirei de pé, cada prova, em forma de grande defesa de Casillas, da minha imbecilidade, e que ela seja tremenda.