Um flagelo chamado Bullying

Bullying: palavra tão curta quando devastadora. A sua origem não é portuguesa, mas o acto que lhe está adjacente é bem conhecido de tudo e todos (infelizmente, diga-se de passagem). Na língua que nos pertence a todos nós existem várias palavras com significado semelhante, mas nenhuma exactamente igual. Todos nós sofremos (ou vimos alguém próximo de nós sofrer) de bullying na escola. A diferença é que não existia um nome, e um conceito, para o definir. Arrisco mesmo dizer que, na maior parte das circunstâncias, não era sequer dada muita importância a este tipo de casos. “São coisas de miúdos” diziam os professores e os encarregados de educação. , como tal o “Desnecessariamente Complicado” desta semana rende-se à actualidade e fala de Bullying.

Na passada terça-feira tudo mudou. A internet quase foi abaixo e o país ficou em estado de choque. Um vídeo, com treze minutos de duração, mostrava um jovem (do sexo masculino) a ser insultado, esbofeteado e pontapeado por vários jovens. O grupo de agressores aparenta ser da mesma idade (algo que se viria a comprovar mais tarde) e é composto maioritariamente por raparigas (apenas é visível um rapaz). O vídeo possuía a qualidade necessária para vermos a cara das agressoras e só os detentores de verdadeira coragem (e com um estômago de aço) é que conseguiram vê-lo até ao fim. É quase um quarto de hora em que a vítima é atacada de todos os lados, por várias agressoras, e onde nunca responde. Não grita, não geme, não tenta responder à violência e nem sequer se mexe. É doloroso ver o vídeo até ao fim. Eu, não sei bem como, consegui vê-lo na íntegra e digo-vos que fiquei genuinamente chocado.

Agora vamos à análise do vídeo, dos factos que soubemos depois, e das reacções pela internet fora. Penso ser justo dizer que este vídeo fez um país perder a cabeça…em vários sentidos. Primeiro gerou-se uma onda de indignação, compreensível, tendo em conta o vídeo em causa. Logo de seguida surgiu a denúncia às autoridades. Mas a revolta em torno do caso era tanta que muitas eram as pessoas que pediam que fosse feita justiça pelas próprias mãos! Queriam que aquelas raparigas, e rapaz, fossem apanhados e que lhes fosse feito o mesmo que haviam feito ao jovem agredido. Vi, em muitos comentários, ira e raiva que nunca vi direccionada a nenhum político ou banqueiro português!

Excerto do vídeo da agressão referido na crónica.
Excerto do vídeo da agressão do caso da Figueira da Foz

Se aqueles jovens são inocentes? Claro que não! Eles são muitas coisas mas “inocentes” é que não são de certeza! Se aquele pobre rapaz merece que seja feita justiça? Merece pois, mas não pelas próprias mãos! Que tipo de sociedade é a nossa onde a primeira opção é “fazer justiça pelas próprias mãos”? Sabem, por acaso, qual é um dos motivos para aqueles jovens serem tão violentos? É o facto de estarem rodeados de violência a toda a hora. É nos filmes, é nas séries, é nos telejornais, é em quase qualquer vídeo que vêem na internet, é nos jogos de telemóvel, tablet e pc (até os mais simples e “inofensivos” têm cenas violentas). A violência, para eles, é algo banal e normal do dia-a-dia. Agora coloquem-se no lugar deles por um segundo: se algo é “normal” para vocês então não haverá problema em fazê-lo, certo?

Estes jovens estão a crescer num país caótico: a justiça não funciona (pois se funcionasse não havia criminosos à solta), não há emprego para ninguém (nem sequer para os jovens, quanto mais para os adultos com experiência) e os poucos que têm emprego são mal pagos (ou então são eternos estagiários), a segurança social só existe na teoria (porque na prática todos os abonos e benesses lhes foram retirados), as finanças apenas querem arranjar formas de arrecadar mais e mais euros (nem que para isso seja preciso ficarmos a viver debaixo da ponte mais próxima), estudar não vale de nada (dado que o resultado final é o mesmo…o desemprego) e nunca como agora os números da violência doméstica foram tão altos (algo que, neste contexto, é “apenas” mais uma acha para a fogueira).

Este é o país onde estes adolescentes estão a crescer. Esta é a realidade deles. Também é a nossa, verdade, mas aquilo que nos diferencia deles é não só a idade mas a maturidade a todos os níveis. De certeza que o leitor não é igual ao que era aos 15 anos, correcto? Aos 15 era de uma forma, aos 25 é de outra e ao longo dos anos continuará a evoluir e a mudar (consoante a sua experiência de vida, obviamente). Agora juntem a tudo o que foi referido em cima um bairro pobre e famílias disfuncionais que, na maioria dos casos, não lhes dão o devido apoio. Está encontrada, julgo eu, a receia para o desastre.

Mas face a isto tudo o que é que eles têm de palpável nas suas vidas? As redes sociais e a internet. É irónico que a única coisa que tenham de palpável seja algo que é tudo menos palpável, mas é um facto. Eles têm os “likes”, os comentários, as partilhas, os vídeos, as zaragatas entre uns e outros, as piadas, as amizades à distância que lhes permitem conhecer pessoas de todo o país (ou mesmo de todo o mundo). Por incrível que pareça…isto é o que de melhor eles têm (pelo menos é assim que, acredito eu, eles pensam). Ora tendo tudo isto em conta torna-se mais fácil compreender o porquê de terem feito um vídeo e colocado o mesmo no Youtube. Para eles só aconteceu se…estiver na internet. Se não estiver no Facebook ou no Youtube é…mentira, ficção, etc.

Agora, os pais (ou encarregados de educação) daqueles jovens têm parte da responsabilidade, obviamente! Sim, porque todos crescemos no mesmo país e não é por isso que somos todos delinquentes e agressores! A educação, o carinho, o amor, e os valores que recebemos dos nossos pais, avós, primos, tios (e restantes familiares) e amigos molda-nos, encaminhando-nos rumo à vida adulta e às responsabilidades inerentes. E ao dizer isto não os estou a desculpar, atenção! Eles têm uma grande parte da responsabilidade! Mas, deixem-me dizer-vos, que alguns dos pais surpreenderam-me. Quando questionados pela imprensa alguns dos pais conseguiram colocar o orgulho de lado, assumir a culpa e o desejo de querer ver os filhos pagar por todo o mal que fizeram. E acreditem que foi preciso muita coragem para eles o fazerem!

Por último, a vítima. Toda esta polémica teve um sabor agridoce para aquele pobre rapaz. Porquê? Porque as agressões e o vídeo remontam ao ano de 2014. Ou seja, um ano depois a vítima tinha (mal ou bem) conseguido ultrapassar aquele episódio. E quando tudo parecia voltar à normalidade (uma vez que foi um episódio único e nunca mais foi alvo de agressões) o vídeo torna-se viral, é partilhado por milhares de pessoas e o caso assume contornos nacionais! “Mas porque não reagiu ele quando estava a ser agredido?”. Voltamos ao mesmo: a violência não se combate com violência! O rapaz estava cercado por pelo menos cinco jovens (um deles rapaz) e praticamente todos o agrediram (exceptuando quem gravou o vídeo) logo parece-me completamente normal ele não ter ripostado.

Se, a título de exemplo, vocês forem sair à noite e, por alguma razão, um grupo de cinco pessoas vos rodeasse e começasse a disparar murros e pontapés na vossa direcção vocês tinham coragem de ripostar? Se calhar alguns tinham essa coragem, mas, será seguro dizer que a maior parte não faria nada com medo das consequências, certo? Pronto, o mesmo vale para aquele jovem. Ele sabia que caso tentasse reagir seria muito pior para ele. Levaria ainda mais pancada e, certamente, que no futuro levaria novamente. E, para finalizar, ainda há uma outra questão: se ele ripostasse estaria a bater em…raparigas. Quantos leitores teriam ficado incomodados com isso? Quantos diriam: “Ele é igual aos outros porque bateu em raparigas!”? A grande maioria, arrisco eu. E isso levaria a que passasse de vítima a agressor em poucos segundos!

bullying

Por último, há um outro factor que torna este caso praticamente único em Portugal: as agressões foram, na esmagadora maioria, cometidas por…raparigas. Até agora casos deste género eram sempre protagonizados entre rapazes. Aqui o destaque é a “Constança” (parece que é o terror da Figueira da Foz tal é a quantidade de casos semelhantes que acumula dentro e fora da escola) e a sua atitude dominante face aos restantes. Embora não seja algo recente a verdade é que nunca Portugal tinha assistido a um caso tão mediático protagonizado, quase exclusivamente, por raparigas.

Finalizo a crónica com uma nota pessoal. Ao longo dos anos nunca fui o “mais popular” da turma/escola e também nunca fui “líder” seja do que for. Mas também nunca fui um “coitadinho” e uma vítima. Mas fui alvo de brincadeiras, gozos e afins. Nunca me envolvi em brigas nem fui rodeado por um grupo como no caso da Figueira da Foz. A violência nem sempre é física, também pode ser psicológica. E quem sofreu violência psicológica sabe o quanto ela custa e nos afecta. Deixa marcas para sempre em muitos dos casos. Eu, felizmente, não pertenço a essas estatísticas. Todos os pequenos, e isolados, episódios que foram acontecendo apenas me tornaram mais forte, mais focado e mais determinado em ser maior e melhor. Aqueles que pensavam estar a diminuir-me acabaram por contribuir para as minhas vitórias futuras. Fizeram-me ambicionar mais e melhor para mim. Fizeram-me perceber que a minha personalidade era diferente de quase todos os restantes, mas que isso não tinha nada de mal (muito pelo contrário, apenas me tornava único).

Resumindo: o caso da Figueira da Foz foi grave. Muito grave mesmo. Felizmente parece que os pais das agressoras estão à altura dos acontecimentos. Assim como parece que a vítima recebeu apoio psicológico e é hoje uma criança normal (tão normal quanto lhe é possível). Esperemos apenas que as agressoras sejam punidas exemplarmente de modo a que nunca mais repitam este tipo de “brincadeiras de mau gosto”. Mas teremos, certamente, muitas centenas de casos pelo país fora que não são filmados e que não chegando às redes sociais permanecem escondidos nos becos das ruas e das escolas. Cabe-nos a nós, todos, combater este flagelo e educar as nossas crianças da forma correcta, evitando a violência e dando-lhes valores que os tornem adultos responsáveis.

Boa semana.
Boas leituras.