Um verdadeiro filme de terror – Bárbara Borralho

Ir ao cinema é assustador. Ir ao cinema ao sábado à noite é ainda mais perturbador. E ir ao cinema ao sábado à noite e assistir à última sessão é ainda mais apavorante. Começo a ter medo sinceramente. Até a minha carteira tem medo. Encolhe-se toda quando vou ao cinema. Se falasse era capaz de chamar-me os nomes mais hediondos do nosso vernáculo. E como poderia eu contrariá-la?

Vamos começar do início. Chegamos ao cinema e está uma fila enorme. Casais, grupos de amigos, lobos solitários. Há de tudo um pouco. Vamos esperando e esperando até chegar a nossa vez. “Boa noite, são cinco bilhetes para o filme X”. “Quer os lugares juntos?” “Não, vim ao cinema com amigos mas gostava de ficar separada deles se possível. Tenho quase a certeza que dois deles não tomaram banho hoje”. Cinco minutos depois tenho os bilhetes na mão. Resta esperar que a sala reabra para começar o tormento.

Já passou meia hora. Podemos entrar. Entrego o bilhete, indicam-me qual é a sala e lá vou eu. Mal ultrapasso a soleira da porta, fico com vontade de dar meia volta e ir a correr para casa. A luz ainda está acesa e a música de fundo é absolutamente indicada para “fazer meninos”. Enquanto subo as escadas sinto-me a principal atracção de um qualquer zoo. Fico sempre com a impressão de que estão a olhar para mim. Talvez à espera que tropece num degrau e me esbardalhe no chão. Pelo menos é isso que eu faço quando estou do outro lado.

Chego ao meu lugar e ajeito-me no assento. Há sempre algum problema. Ora o encosto não é reclinável,   ora está algum mostrengo à frente que não me deixa ver… Mas lá me contento com o que tenho e começo a analisar o que está à minha volta. Chego logo aos casais. Quanta ternura, quanto amor, quanto romantismo. Sobretudo quando discutem… acerca da quantidade excessiva de pipocas que um deles está a comer. “Quando o filme começar já não temos pipocas, controla-te.” Outro dos casais não come pipocas. Nem consigo entender onde começa a cara de um e acaba a do outro. Só sei que um deles deve ser canalizador porque ouço o barulho típico dum ralo a ser desentupido.

Passado algum tempo, a sala fica escura e começam os anúncios e os trailers. Demoram tanto tempo que eu se tivesse saído de casa naquele momento ainda chegava a horas de ver o filme desde o início. Começo a suspirar de impaciência até que por fim nos pedem para desligar o telemóvel e fazermos silêncio. E quem me dera que as pessoas levassem isso a peito. Mas mal o filme começa surgem pequenos holofotes na sala. Um ri-se duma mensagem, outro atende uma chamada, diz que está no cinema mas continua a conversar. Ainda ouço os canos a serem desentupidos e juro a mim própria que da próxima vez hei-de trazer uma luz ultravioleta para ter a certeza de que me sento num sítio minimamente limpo.

“Está calor aqui dentro”. Olho para o lado e vejo um senhor a colocar as pernas no encosto do banco da frente e qual não é o meu espanto quando noto que está de cuecas. E é nesse momento que ouço os Queen na minha cabeça: “Is this the real life? Is this just fantasy?”. A verdade é que não sei responder. “Eu disse-te que as pipocas iam acabar”. Alguém vai dormir no sofá hoje. De repente o ecrã apaga-se e não há luz em lado nenhum. Ouvem-se risinhos, acendem-se as lanternas do telemóvel e já quem ronque como um porco e não dê por nada. Chega um empregado do cinema e diz que a luz do shopping foi abaixo. “Olhe, mas não dava para acender uma luz só aqui atrás?” Olho para o lado. A brilhante frase vem de uma amiga minha. A sala ri. Pela primeira vez. Num filme de comédia. Somos melhores que Hollywood.

Mais uns minutos e a luz regressa. Recomeça o filme mas já toda a gente perdeu o fio à meada. Começa-me a cheirar a hamburguers. Olho para umas pessoas e lá estão elas com sacos do McDonald’s. Mais à frente come-se um gelado. À esquerda comem-se umas sandes e por momentos não consigo discernir se estou num restaurante ou numa sala de cinema. Vou ao bolso e tiro um saco de salgadinhos. Também sou filha de Deus. Engasgo-me num amendoim quando ouço uma hiena dentro da sala. Esperem, uma hiena? Impossível! É só uma mulher que ri muito alto. E volto a não saber se estou numa sala de cinema ou numa matança do porco.

No intervalo há sempre um desgraçado que cai nas escadas. Foi reabastecer o balde de pipocas e quando voltou já as luzes se tinham apagado. Tropeçou num degrau e foi de cara ao chão. Quando chega ao seu lugar ainda ouve um sermão da namorada. “Que vergonha, não sabias ter vindo mais cedo?” “Se não tivesses comido as pipocas todas não precisava de ter ido buscar mais”. Retifico: ele não vai dormir no sofá, vai dormir no carro. Mas já nem quero saber, só quero que o filme acabe. Duas amigas minhas já estão a dormir, é o costume. Eu de vez em quando também gosto de dormir a sesta numa sala de cinema, é mais confortável do que a minha cama ou o meu sofá.

Já está o filme quase no final (graças a Deus) e não podia faltar o gás da praxe. Sinto um cheiro nauseabundo a entranhar-se no meu nariz e ouço a pessoa à minha frente a rir-se sozinha. Há gente que não entende o conceito de discrição. Fico calada mas um dos meus amigos tem que fazer referência ao caso: “que cheiro! Parece que morreu alguém aqui dentro, porra!” Não vejo a cara da mulher mas aposto que está vermelha como um pimento. Não tivesse comido o hamburguer.

O filme acaba e saio da sala aborrecida. A minha carteira vai chorando o dinheiro perdido e estou mais cansada do que estaria se tivesse ido ao ginásio. Juro a mim mesma que não volto ao cinema tão cedo, mas no mês seguinte estou lá batida. No meio de hienas, miúdas histéricas, holofotes em miniatura e homens em cuecas.

P.S. Todas estas situações são verídicas. Apenas aglomerei tudo na mesma sessão fictícia de cinema, mas todas elas me aconteceram, infelizmente.

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Riso sem siso