Voto no Tino, voto com Tino

Quando Saramago escreveu “Ensaio sobre a lucidez”, poderia estar a pensar nos mais de cento e cinquenta mil cidadãos que votaram no mais famoso habitante da, agora também, mais famosa freguesia de Penafiel. Ensaio sobre o Tino é o que vos proponho neste artigo.

Por isso, vamos lá à premissa inicial do ensaio, e se de repente, estes votantes se transformassem em milhões, milhões esses, suficientes para trazer Tino à presidência da República.

Para alguns, seria o descalabro total, algo só comparável aos episódios bíblicos mais sangrentos, com consequente e merecido castigo pela profanação da instituição garante da nossa democracia.

Para outros, seria uma espécie de nirvana popular, o calceteiro de Rans – que poderia ser o pedreiro de Mondim de Basto, ou o pescador das Caxinas – seria o exemplar perfeito do povo sentado na sua cadeira de sonho.

Não sei bem o que aconteceria, não acredito muito na teoria do descalabro, relembrando a ação ou falta dela dos últimos presidentes, realmente, não consigo vislumbrar Portugal como esse armagedom. Afinal, tivemos: Soares, o viajante; Sampaio, o soporífico; Cavaco, o ouvinte. Penso que podemos passar bem sem viagens pelo mundo, discursos entediantes e audições intermináveis presidenciais.

Ou não, talvez tudo isto sejam considerações dum ignorante, e tudo fosse caos, talvez até Saramago tivesse razão, seguir-se-ia uma resposta do estado autoritária, arranjar-se-ia uma qualquer forma na constituição de retirar Tino do poder, quem sabe até, finalmente, de PCP a PP, todos estivessem de acordo com uma revisão constitucional com tanto de falada como de impossível até ao momento.

Devo confessar que aquilo que me desperta maior curiosidade, num assumido capricho pessoal, é saber se existiria uma denominação para aqueles que votaram em Tino, como aqueles que votaram em branco na obra de Saramago. “Brancosos” era o nome governamental para estes dissidentes indecorosos que ousaram votar em branco, talvez “Tinhosos” fosse a versão daqueles que tivessem ousado votar em Tino.

Bom, já me estou a perder, porque no fundo, tudo se resume aos propósitos que colocariam Vitorino Silva na presidência.

Aí, temos que nos colocar na cabeça daqueles que votaram Tino, com ou sem ele. Claro que em todos estes votos, muitos não o tiveram, foi simplesmente uma piada, mas a maioria, acredito que o tiveram em doses bastante consideráveis.

Acredito ainda, que existe uma perceção nestas pessoas, que a democracia está doente, que ter alguém culto, que ter alguém preparado, que ter alguém capaz nas instituições sagradas da nossa democracia é irrelevante.

Seria um voto de protesto similar aos “brancosos” de Saramago, uma ação à espera de reação, um grito escrito a cruz, com a esperança de que algo mude, mesmo que se tenha que lidar com a fúria governamental ao fazê-lo.

Porém, a realidade poderia ser bem mais vil que a ficção, para lidar com um protesto com Tino, poderia não ser necessário matar nenhuma Julianne Moore desta vida, nem tão pouco sitiar Portugal inteiro como a cidade de Saramago o foi. Nada disso, provavelmente o governo reagiria pela mão dos mil e um assessores que iriam dirigir Tino até ele ter o tino que eles pretendiam, e claro, o fenómeno seria dissecado até não restar nada mais que uma carcaça seca e gasta, por outros tantos comentadores.

E essa assimilação de toda e qualquer manifestação de revolta pela esfera do poder, com facilidade, sem canhões nem tiros, sem heróis a serem assassinados, mostraria a total ausência de efeito da ação popular e por arrasto da nossa democracia.

No entanto, não sabemos o que iria acontecer, provavelmente nunca o saberemos, o que podemos afirmar com alguma certeza, é que não temos o direito de retirar levianamente o tino do voto no Tino.