10 Cloverfield Lane (Review)

Se o leitor é velho o suficiente para se lembrar do último filme com o titulo Cloverfield saiba que não se trata de um grande feito! Para os que esperaram 8 anos pareceu uma eternidade, mas para aqueles que depressa se ambientaram à ausência de sequelas directas e cronologicamente próximas, que marcam muito do panorama do cinema do género e geralmente apresentam-se como fitas de má qualidade, a espera não foi intensa mas trouxe sem dúvida um misto de curiosidade e medo. A espera não traz, no entanto, uma sequela, mas sim um filme com um pé no chamado spin-off e outro numa coisa totalmente diferente que parece não ser totalmente perceptível. Será que esta nova aposta, com a produção de J.J. Abrams, vinga na sua capacidade de se distinguir do seu “irmão de sangue”, como alguns já lhe chamaram, e mantém a coerência do universo criado em 2008 em Cloverfield?

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Título Original: 10 Cloverfield Lane

Ano: 2016

Realizador: Dan Trachtenberg

Produção: J.J. Abrams, Lindsey Weber

Argumento: Josh Campbell, Matthew Stuecken, Damien Chazelle

Actores: John Goodman, Mary Elizabeth Winstead, John Gallagher Jr.

Musica: Bear McCreary

Género: Drama, Horror, Mistério

Ficha Técnica Completa

Cloverfield saiu em 2008, e a melhor maneira de se recordar dele é perceber que estamos na presença de um dos responsáveis pela popularidade repentina de um “novo” género, o filme de found footage. Para os mais alheios trata-se de um género normalmente associado ao terror, que consiste em presenciar todo o filme pelo olhar dos protagonistas, geralmente de forma indirecta através de uma gravação levada a cabo por um dos protagonistas, o que limita a nossa percepção de toda a acção, podendo funcionar a favor de produções mais modestas ou apenas como escolha criativa para passar uma certa noção de realidade, credibilidade e participação directa na acção. A melhor maneira de explicar este género seria simplesmente dizer: Alguém encontrou esta cassete no meio da floresta e o que descobriram foi aterrador! A audiência fica presa a esta expectativa, e muitos filmes acabam por viver da incerteza sobre o que está realmente a acontecer. É certo que várias experiências já tinham sido concretizadas, especialmente com The Blair Witch Project (1999) e com o célebre Paranormal Activity (2007) entre muitos outros, mas Cloverfield é talvez o único com algum peso na categoria de monster found footage.

Assumindo a categoria de filme de culto, Cloverfield retrata a destruição de Nova Iorque às mãos de várias criaturas, presumivelmente de origem alienígena, com destaque para a monstruosidade gigantesca que dá nome ao filme. Destaca-se pela maneira como introduz as suas personagens principais, numa primeira parte que parece explorar um lado humano e aparentemente normal e citadino, que acentua o choque e a mudança para um cenário dantesco e surreal de destruição, onde o verdadeiro inimigo, a abominação gigante, destrói aos poucos a cidade. Este monstro está sempre presente, mas nunca é realmente focado pela câmara, contribuindo para todo um mistério que o próprio filme tenta habilmente não revelar e deixar em aberto, enquanto as suas personagens tentam sobreviver à catástrofe. Cloverfield apresentou um final aberto que 10 Cloverfield Lane não propõe retomar, porque talvez não precise de haver uma resposta clara ou porque assim a audiência pode imaginar o seu desfecho. Este novo filme, é ironicamente, um “monstro” bem diferente!

10 Cloverfield Lane é um filme isolado dentro do mesmo conceito, que dispensa o found footage e opta por uma abordagem cinematográfica relativamente normal. Não é também um monster movie, pelo menos nos seus primeiros dois actos, embora a ameaça esteja sempre presente e todo o filme se prepare lentamente para a confrontação com a mesma. A audiência é convidada a passar dois terços do filme numa bolha, que afasta tematicamente o filme do seu “irmão de sangue” e cria uma sub-dimensão no universo desta saga, o que lhe atribui complexidade e deixa margem para explorar pequenas realidades que completam algo maior.

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Dizer que o principal monstro de 10 Cloverfield Lane é o ser humano é possivelmente a maneira mais realista de abordar o filme. A fita conta a história de Michelle (Mary Elizabeth Winstead), uma mulher presa no bunker de Howard (John Goodman), que afirma tê-la salvo de uma espécie de desastre nuclear que a impossibilita de ter qualquer contacto com o exterior. A audiência é convidada a ter dúvidas sobre as verdadeiras intenções de Howard e é lentamente introduzida à realidade, sempre na barreira do cepticismo em relação a toda a situação. No ambiente claustrofóbico, e muitas vezes enganador, o filme vive da química entre três actores, aos dois já referidos junta-se a personagem Emmett (John Gallagher Jr.), outro aparente prisioneiro de Howard. 

Vivendo uma situação extrema, reforçada pela aparente personalidade tempestuosa de Howard, é impossível perceber onde se dará o ponto de ruptura que mudará a história por completo. E se há estrela neste filme, que com as suas capacidades como actor cria uma personagem transcendente (e sem desvalorizar o excelente papel de Mary Elizabeth Winstead), é sem duvida John Goodman. Um actor maioritariamente associado à comédia tem aqui a sua possibilidade de se afirmar com um papel dramático, que tal como o filme, é construído com várias camadas e motivações que impossibilitam uma análise clara da personagem e do seu alinhamento como herói ou vilão. Há algo demasiado complexo em Howard para ser qualificado num primeiro vislumbre, e qualquer etiqueta atribuída à personagem depressa inverte, da mesma forma que a natureza humana pode simplesmente mudar radicalmente numa única acção ou mau discernimento. O drama torna-se demasiado humano e real para limitar o filme à etiqueta de ficção cientifica ou de spin-off de um monster movie, mas se olharmos com atenção para a construção das personagens há realmente um monstro figurado, que cada humano esconde, e se revela nas situações mais complicadas e surreais.  

Com todo o foco nesta história a três no bunker, a última parte, embora bem-vinda, parece ironicamente “alienígena”. É o rebentar da bolha em que personagens e audiência se encontravam directamente para a realidade característica do universo Cloverfield introduzido no primeiro filme. Os que gostaram deste tom original vão adorar o regresso aos planos que encobrem e nunca focam a ameaça, e ao mistério que rodeia este cataclismo qCloverfield ue parece ter assombrado mais do que Nova Iorque. No fim, terão certamente mais perguntas do que respostas concretas, algo a que Cloverfield já nos habituou, mas que com alguma sorte não levará 8 anos a desvendar. Com uma possível sequela a caminho, 1o Cloverfield Lane parece ser tanto um bom ponto de continuação como de recomeço, devido à sua ténue ligação com o seu “irmão de sangue” e ao seu final aberto que certamente tem muito para explorar…

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Volto para o próximo mês com mais cinema…