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Sinal de ter sido amor à primeira vista foi ter-lhe tirado logo as medidas, assim que a vi no areal da praia, deitada numa toalha da Quebramar que, por coincidência, andava a namorar na montra de uma loja perto de casa há dois meses.

Era felpuda, azul com listas brancas e bem podia servir de pano de fundo à selfie de uma loura que quisesse fazer sobressair a cor do seu cabelo.

Quanto à mulher que estava deitada nela, desfrutando dos prazeres do sol, era robusta e tão bem servida de ancas, que, vendo o modo como olhámos para ela, nenhuma mulher ao seu lado voltaria a pensar em fazer qualquer dieta para perder peso.

Fomos naquela manhã à praia porque aos meus dois amigos, que eram gémeos falsos, interessava apanhar sol para ficarem bronzeados ou, quando regressassem dali a uns dias ao Luxemburgo, ninguém iria acreditar que tinham passado duas semanas de férias no Algarve.

Repassámos a vista pelo areal, à procura de uma clareira onde não apanhássemos com a sombra dos chapéus que as pessoas orientavam no sentido do sol, como se fossem girassóis que, para efetuarem o seu movimento natural de rotação, precisassem da intervenção humana.

Assentámos praça na proximidade de um simpático casal de terceira idade que, ao ver-nos chegar, deve ter pensado que estava ali a reunir-se a sua família, uma vez que tanto nós como as jovens que tinham chegado entretanto, devíamos ter a idade dos seus adorados netos.

Pousei ao lado dos chinelos de enfiar no dedo, a mochila Nike que tinha dentro o meu smartphone, o qual se tivesse ligado o modo GPS indicaria a localização exata de um homem totalmente descrente na magia do amor. Em menos de dois meses, a louraça com quem namorava e até pensava em casar, trocou a minha esperança em dias de céu limpo na primavera, pela certeza de um fim-de-semana de sol numa praia das Caraíbas patrocinado pelo filho do meu gerente de conta do Banco que não hesitou em convidá-la para lhe fazer companhia.

Sou ingénuo, mas não sei como não pude perceber imediatamente que era falsa e interesseira. Mas infelizmente, também só tarde demais percebi que não era tão gordinha como me parecia e que afinal até estava a perder perigosamente peso, podendo a curtíssimo prazo transformar-se numa tábua rasa de engomar, que para mim só teria utilidade se a tivesse por perto ou à minha mãe, lá em casa, para me passarem as calças e as camisas a ferro.

Levantei a cabeça na direção do sol, de onde irradiava uma luz intensa que permitia ver tudo em redor. Assim, além do casal de velhinhos que carregava uma enorme mala térmica com espaço para conter o dobro das refeições de que deviam necessitar; havia um homem de cara muito bronzeada, como se desde que para ali ia esparramar-se ao sol nem por um minuto tivesse experimentado deitar-se de costas; um grupo de crianças a brincarem afastadas dos pais, considerando que com a autonomia que eles lhes tinham dado talvez pudessem ir ver sozinhas no castelo que estavam a acabar de construir e um conjunto de raparigas, entre as quais se destacava uma que despertou a minha atenção por não ter braços nem pernas tão escanzelados que, se saíssemos juntos para tomar café, haveriam de pôr-me a pensar em como conseguia ela suster-se de pé.

Usava caracóis, como os de uma boneca que não seria preciso pentear porque passava o tempo todo na cama de uma menina que não a largava de noite para dormir. Fumava uma cigarrilha e fingia ler um romance cuja ação devia passar-se num lugarejo onde as pessoas fossem viciadas em amar-se umas às outras.

Estava deitada de costas com os cotovelos vincados na areia e o peito assente numa almofada insuflável onde de bom grado a qualquer hora do dia deitaria a cabeça para pôr-me a sonhar com ela. Estava certo de que, perto dela, sob um céu tenebroso, só a chuva que caísse longe é que eu havia de lamentar de não ter vindo abençoar o nosso amor.

Naquele ambiente de praia, facilmente me deixaria seduzir pelo seu canto de sereia, a menos que um escudo no peito me mantivesse imune às flechadas de Cupido ou, duvidasse do que estava a ouvir, por força de continuar a achar que, desde a morte de John Lennon, ninguém fora capaz de compor melodias tão bonitas como as que ele em parceria fez para os Beatles.

Esperei que ela se levantasse e segui-a com o olhar até à beira da água onde se sentou à espera de a maré baixar e uma onda levar para longe os seus problemas. Na minha santa ignorância, desconhecia quais eram, mas achei que podia ajudá-la nem que fosse convidando-a para sairmos dali antes que, ao final da tarde, o nível da água tornasse a subir e eles voltassem. Mas ao invés disso, fiquei pasmado a vê-la, sacudindo a areia do corpo enfiando a mão na alça do soutien, do qual nem que arrancasse o peito para todos verem, me poria a olhar para ela com mais atenção do que estava a fazê-lo naquele preciso instante.

No meio das amigas, salientava-se igualmente pela postura. Devia ser a mais bem-educada do grupo ou não tomariam elas atenção ao que dizia, como se na boca dela um palavrão pudesse soar tão estranho que as pusesse à procura do seu significado num dicionário de Língua Portuguesa. Em seguida, prendeu o cabelo num elástico e mergulhou no mar um número de vezes suficiente para perceber que, no caso dela, não melhorava com a prática uma coisa que tinha saído logo perfeita à primeira.

Ficámos na praia até serem dezoito horas e somente restar à nossa beira o casal velhinho de quem possivelmente a família já não queria saber mas com cujo sentimento de perda decidi solidarizar-me quando vi a minha musa afastar-se nós para se deitar na toalha de um amigo a quem, estranhamente, não vi o olhar brilhar mais intensamente do que o meu por essa coisa maravilhosa estar a acontecer.

Ainda assim, dela ficou uma marca forte e nos dias subsequentes ao nosso encontro, inspirou-me a escrever uma dúzia de versos que sei de cor. Escrevi-lhos com o dedo na areia molhada dessa praia de Albufeira onde vou agora menos vezes do que dantes. É que se tornar a vê-la, desta vez não deixo nada por dizer, a menos que eu próprio, traído pelo nervosismo, me sinta desmoronar, como as paredes do castelo de areia posto de pé pelas crianças e do qual não sobrou pedra sobre pedra.