50 Sombras de “Oh Porra, O Meu Namorado É Um Psicopata” – Carla Vieira

Se há alguma coisa que eu adoro fazer, é ler. Mais do que estar esparramada no sofá a ver televisão ou sentada a passear na internet, o que eu gosto mesmo é de pegar num bom livro e mergulhar na história até à última página. No entanto, agora mais do que nunca preciso de ter um cuidado especial quando vou a uma livraria com a intenção de pagar dinheiro por uma história.

Usando generalizações, toda a gente conhece “Twilight” como toda a gente conhece “Harry Potter”, mesmo aqueles que nunca leram nenhum dos livros. Foram (e continuam a ser) dois fenómenos literários que dão bastante pano para mangas.

A teoria mais desdenhada pelos fãs desta auto-intitulada “saga” é que o Edward é um namorado abusivo e manipulador e a Isabella é uma rapariga insossa e desprovida de personalidade e vontade própria. Ela vive para este vampiro e nada mais; um pensamento que me perturba quando me lembro que há muitas raparigas que quereriam o Edward como namorado ou marido.

A nova moda lançada é o livro “50 Shades of Grey” ou “50 Sombras de Grey”, um livro que ainda não foi publicado em Portugal e eu espero que nunca seja, por amor à vida numa revolta impressionante, fui à FNAC esta tarde e o objecto de estudo desta semana apareceu por todos os lados. Bem jogado, Universo. Este livro foi copiado inspirado pelas obras de ficção escritas pela Stephenie Meyer. Primeiramente chamado “Mestre do Universo” por uma escritora de fanfiction (auto-intitulada E. L. James), este livro foi publicado depois da autora trocar os nomes dos personagens de Crepúsculo por nomes aceitáveis para que não pudesse ser processada por plágio. Reconta a história bem conhecida de uma rapariga sem auto-estima que se apaixona por um homem com tendências claramente psicopatas, mas um nível transtornante acima: este livro é uma novela erótica.

O erotismo não é nada de novo nem de vergonhoso e eu não tenho nada contra esse tipo de livros se até forem bem escritos. Tenho, no entanto, muita coisa contra este livro ser um fenómeno e o personagem masculino se andar a tornar um modelo de homem para todas as senhoras devido ao comportamento desviante e à quantidade de vezes que ele manipula a personagem feminina principal (Anastasia) tendo sexo com ela. Estamos aqui a abrir um precedente de que quando um homem quer alguma coisa de uma mulher, se ela disser que não, basta despi-la e fazê-la ter um orgasmo e assim ela dirá que sim e tudo ficará bem.

Este homem é um controlador que persegue a rapariga durante todas as suas acções embora ela insistentemente lhe diga que precisa de espaço para pensar, fá-la assinar um contrato para que possa ser a sua submissa numa relação de BDSM e não possa dizer a ninguém, e o pior de tudo é que ela se apaixona por ele e por isso (porque a autora diz que sim e a sua vontade será feita) está tudo bem e esta relação não é nada abusiva nem assustadora.

Não tendo a experiência em primeira mão de ter lido o livro (porque descobri ontem que é afinal uma trilogia e eu não sou suicida) li no entanto bastantes excertos e alguns capítulos inteiros do audiobook. A caracterização dos “heróis” da história pode (e será) comparada ao casal vampiresco Edward/Isabella; enquanto o Edward anda a espiar a será-namorada a dormir, o senhor Christian Grey está a mandar livros de primeira edição de uma qualquer novela clássica para casa da protagonista, embora a Anastasia nunca lhe tenha dito onde mora.

Mmm, se o meu namorado me fizesse tal coisa. Derreter-me-ia toda enquanto marcava 112 no telemóvel e trancava as portas e janelas.

O cliché de ele ser rico e bonito e ela pobre e feia (porque raparigas magras e de olhos azuis são feias e gordas) é usado pelos pensamentos da própria protagonista sempre que ele tem sexo com ela (sempre que lhe apetece mesmo que ela não queira) ou lhe compra qualquer coisa (como um carro, um Macbook, um BlackBerry, um helicóptero, lingerie, bilhetes de avião, etc..) e portanto ela não consegue perceber como é que um multimilionário psicótico e com problemas de raiva alguma vez gostaria de uma rapariga como ela, que lhe diz que sim a tudo e o deixa dar-lhe palmadas no rabo embora use a definição “abuso” e “bater” em vez de palmadas.

As mulheres americanas andam a apaixonar-se por este homem. Esta criatura controladora, manipuladora, que é incapaz de estar numa relação saudável e por isso faz uma rapariga virgem assinar um contrato para ser sua escrava sexual durante três meses nos quais ele tem o direito de mandar em tudo o que ela pode fazer, dizer, vestir e pensar, que não pode ter relações sexuais com mais ninguém embora ele possa ter sexo com quem lhe apetecer, e não pode falar com ninguém acerca de quaisquer dúvidas que possa ter (lembrem-se, virgem, nunca teve sexo antes logo duvido que saiba muito sobre o assunto) embora ele possa falar com quem quiser acerca dela.

Senhoras, um apelo: pensem bem, duas e três vezes, antes de dizerem que este homem é um sonho e é uma pena que homens destes não existam. Tenho a certeza de que se todos os homens fossem como este, nós estaríamos todas mortas e cortadas aos pedaços. Isto não é romantismo, isto é um indivíduo completamente passado da cabeça e que precisa de terapia.

Christian Grey? Não, obrigada.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente