Caos no Médio Oriente: Turquia vs Síria – Francisco Duarte

Como certamente todos nós temos tido noção nos últimos tempos a Síria está a mãos com uma terrível guerra civil que já reclamou quase 20.000 vidas e não parece próxima de terminar. Pelo contrário, a possibilidade de escalar e se tornar ainda pior paira no horizonte, criando enormes receios na comunidade internacional.

A Turquia, o país que faz fronteira com o Norte da Síria, está já há alguns anos num processo de expansão da sua influência na região, alimentada por uma vaga de patriotismo e busca de coesão nacional encabeçada pelo atual Primeiro-Ministro Recep Erdogan. Não há dúvidas relativamente ao apoio que este governo tem dado aos rebeldes sírios que tentam derrubar o regime de Bashar al-Assad. A possibilidade de um intervenção militar com forte participação turca está na mesa desde o início do ano, tendo como base o aparente sucesso da operação da NATO na Líbia no ano passado. Mais recentemente têm sido os próprios rebeldes a pedir uma zona de exclusão aérea na Síria, nem que fosse apenas nas zonas perto da fronteira com a Turquia, onde eles têm as suas bases.

Face a esta realidade, sinto-me tentado a fazer uma leve comparação das forças armadas da Turquia e da Síria, no âmbito do tipo de forças que cada país tem ao seu dispor. Tenhamos em mente que, apesar de tudo, a complexa situação no terreno e na geopolítica regional tornam uma intervenção militar da Turquia ou dos seus aliados da NATO improvável, mas não impossível.

F-16 Fighting Falcon vs MiG-23 Flogger

Logo no departamento dos caças multifunções ligeiros vemos a ampla diferença tecnológica entre as forças armadas de ambos os países. Os F-16 turcos, de origem americana, são mais sofisticados e mais capazes que os MiGs sírios, que formam o âmago da força aérea desse país. O MiG-21 remonta aos anos 50 e o MiG-23 aos anos 60, tendo ambos sido concebidos pela antiga União Soviética. Apesar de velozes e simples a quantidade e variedade de armamento é muito inferior à dos F-16, assim como o alcance operacional. Em termos numéricos estima-se que al-Hassad disponha de cerca de duas centenas de aeronaves destes dois modelos, embora seja impossível dizer quantos é que ainda funcionam realmente face às deserções e dificuldades criadas pelo conflito. Já Erdogan tem ao seu dispor a terceira maior frota de Fighting Falcons do mundo, com 240 aeronaves. Neste parâmetro é inegável a superioridade turca.

F-4 Phantom II vs Su-22 Fitter

Corresponda ou não à realidade, o facto é que a superioridade numérica que a força aérea síria tem no papel em relação a turca é rapidamente anulada quando verificamos a questão de uma perspetiva tecnológica. Se isso é verdade para com os caças monomotores ligeiros, é-o igualmente para com as restantes unidades. O caça de segunda linha turco é também de fabrico americano, o F-4 Phantom II, que ficou nas bocas do mundo quando um exemplar foi abatido sobre o Mar Ciliciano após ter sobrevoado a fronteira com a Síria no passado dia 22 de Junho. É uma máquina poderosíssima, em uso desde os anos 50 e ainda presente em diversas forças aéreas, com mais de cem ao serviço da Turquia. Dificilmente encontraremos uma aeronave diretamente comparável na Síria, embora o Su-22 seja um bom ponto de comparação, uma vez que são utilizados no ataque ao solo, função que os F-4s turcos exercem maioritariamente na atualidade. Existem mais de cinquenta Fitters ao serviço de al-Hassad, que, no entanto, parecem ter recebido modernizações relativamente importantes. Apesar de ser um monomotor partilha com o Phantom uma pesada capacidade de transporte de armas e elevadas performances.

Para lá dos modelos já referidos, a Síria está ainda equipada com pequenos números de caças MiG-25, MiG-29 e Su-24, todos eles de origem soviética e já bastantes antiquados quando comparados com os principais modelos turcos.

AH-1 Cobra vs Mi-25 Hind

Os caças são apenas uma parte da complexa maquinaria que são as forças armadas de qualquer país. Os helicópteros de combate pesadamente armados servem em importantes missões de ataque anticarro e apoio à infantaria. Novamente as diferentes origens do equipamento de ambos os países refletem a sua natureza diversa. O AH-1 Cobra ao serviço da Turquia teve o seu batismo de fogo no Vietname ao serviço dos americanos. É uma máquina pequena e ligeira, com um canhão de tiro rápido no nariz e armamento pesado nas aletas laterais. Os sírios usam Mi-25s de fabrico russo. Têm um armamento básico similar ao do Cobra, mas são maiores e mais pesados e conseguem transportar até oito soldados. Ambos os países têm números algo equivalentes destas máquinas.

Para além disso existem ainda os helicópteros de transporte, os importantes “burros de carga” que mantém exércitos em movimento. Os sírios usam máquinas da família do Mi-8 Hip e os turcos os famosos UH-60 Black Hawk, e ambos os países contam com cerca de cem máquinas dos respetivos modelos.

ATILGAN PMADS vs CP-75 Dvina

Em termos gerais as defesas aéreas sírias não têm o melhor dos historiais ao seu dispor. Em 1982 durante os combates no Vale de Bekaa no Líbano a força aérea foi severamente castigada pelos israelitas que utilizaram a sua tecnologia e estratégia superior para a varrer dos céus. No solo as defesas aéreas, que deveriam ter mantido os israelitas em cheque, não souberam utilizar nem o terreno nem as técnicas de camuflagem que os conselheiros russos lhes ensinaram e por conseguinte foram igualmente despedaçadas com relativa facilidade. Este é o tipo de precedente que poderá oferecer algum otimismo aos defensores de uma intervenção armada no país. No entanto existe sempre a possibilidade de os sírios terem aprendido com os seus erros, e certamente que Bashar al-Hassad não é o seu pai, Hafez al-Hassad, que era quem liderava o país na altura dos confrontos contra Israel.

Em termos numéricos, as defesas aéreas sírias são atualmente dominadas pelos já antigos CP-75 Dvina, maciços mísseis terra-ar lançados de plataformas estáticas, que aterrorizaram os americanos no Vietname. Os turcos utilizam sobretudo uma plataforma móvel, construída sobre o chassis do M113 e que está equipada com mísseis de curto-alcance Stinger, chamada ATILGAN.

Esta análise continua para a semana.


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso