As eleições chinesas – Nuno Araújo

O título desta crónica é apenas um exercício humorístico. O 18º congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) é um dos eventos mais importantes de sempre da era comunista chinesa. Muda o presidente, muda o vice-presidente, muda o primeiro-ministro, mudam chefias diversas. Num mundo onde Barack Obama foi reeleito presidente dos Estados Unidos da América (EUA), e onde a União Europeia (UE) se debate com uma séria crise económica e financeira, a China terá de se adaptar a essas mudanças.

O contexto

Assiste-se a uma reconfiguração da ordem mundial. A China tomou a dianteira no mundo dos negócios, e as previsões a curto e médio prazo indicam que assim prosseguirá. Os EUA mantêm o seu sistema inalterado, ou seja, a sua economia de base capitalista não sofreu quaisquer alterações desde a derrocada financeira de 2008. A UE tarda em agir como verdadeira União, enquanto a Alemanha vai esfregando as mãos de contentamento por se financiar a custo zero nos mercados internacionais.

Pequim em estado de paranóia

O 18º congresso do PCC teve início a 8 de Novembro. Por estes dias, em Pequim, não há pombos a voar, com receio de que eles possam largar panfletos anti-regime. Na democracia chinesa, os aviões telecomandados são sinónimo de artefacto criminoso, pelo mesmo motivo. A praça Tiananmen está fechada ao público, enquanto que os prisioneiros em detenção domiciliária foram obrigados a sair de Pequim, até ao fim do congresso.

Existem mais de um milhão e meio de voluntários dos mais variados quadrantes profissionais para, voluntariamente diga-se, efectuarem vigilância à capital chinesa. Depois de Hu Jintao ter gasto mais de 111 biliões de dólares em despesas na área da defesa e forças armadas, parece que obrigar chineses comuns a vigiar Pequim e controlar quaiquer tentativas de revolta ou levantamento popular.

Há relatos vários de activistas dos direitos humanos, que desenvolvem actividade na China, que afirmam a detenção de inúmeras pessoas não-alinhadas com a “democracia chinesa”. Aliás, refira-se que o activista Zhang Yaodong foi espancado até à morte, isto de acordo com grupos de defesa dos direitos humanos.

O dissidente Bao Tong, oficial revoltoso de Tiananmen (dos que foram presos) em 1989, é aquele com a patente mais elevada. Ele afirma que o regime perdeu a sua legitimidade, porque nenhum governo faz do seu povo o seu pior inimigo.

As nomeações

O PCC decide em segredo tudo o que diga respeito a assuntos políticos. Nada do que é discutido no congresso propriamente dito é aceite para integrar propostas de moção, tal como sucede nos congressos de partidos políticos em Portugal, por exemplo. Como tal, o sistema chinês também indigita pessoas em cargos políticos através de nomenclatura, tal como se fazia na ex-União Soviética.

Saiem o presidente Hu Jintao, o primeiro-ministro Wen Jiabao, por exemplo.

Este é o congresso onde, segundo Sun Chunlan, a única secretária de direcção política do PCC, as mulheres estão na “mó de cima”. Diz Chunlan que as mulheres poderão em pouco tempo aceder a cargos de liderança, apesar de apenas 6 por cento dos elementos do comité central do PCC serem mulheres.

Segue-se a lista dos novos senhores da “democracia chinesa”:

Xi Jinping: Presidente
Li Yuanchao: Vice-presidente (forte aliado de Hu Jintao, presidente chinês de saída)
Li Keqiang: Primeiro-ministro (irmão do administrador da Tabaqueira Chinesa. Li Keming)
Wang Min: Ministro do Comércio
À medida que o congresso for progredindo, os nomes vão sendo avançados à imprensa chinesa, e depois à imprensa internacional. No entanto, não devem haver surpresas, como parece ser óbvio.

As decisões políticas

Depois de uma menina de 11 anos (cuidadosamente escolhida pelo Politburo chinês) ter abordado o congresso acerca da segurança alimentar dos produtos chineses, o congresso decidiu cerrar fileiras. Foi evidente o embaraço causado por tal pergunta, pois inúmeros problemas relacionados com leite em pó para bebés surgem todos anos, para além de outros produtos alimentares.

As relações entre China e EUA irão entrar num novo patamar, dizem alguns delegados. Por outro lado, a Huawei (marca de telemóveis) está a encontrar barreiras comerciais nos EUA, pois os aparelhos electrónicos chineses poderão ter componentes contrários às regras de segurança americanas. Já de acordo com as autoridades chinesas, os EUA receiam esses aparelhos por serem fabricados num país de regime comunista. Enfim, palavras que valem o que valem…

As presidenciais norte-americanas só não abordaram ainda mais as relações com a China por dois fortes motivos: o primeiro, a devastação causada pela tempestade Sandy, o segundo prende-se pois com a delicadeza que o orçamento americano terá de ser tratado. A China tem comprado a dívida pública americana, mas o limite constitucional ao défice americano será atingido no final deste ano de 2012. Que fazer? Provavelmente a China será solicitada para concertar uma solução que interesse às duas partes, já que esta situação dos EUA na “corda bamba” é bem mais interessante para os chineses, mas é um mal menor para os americanos.

Quem não é metida nem achada neste jogo político é a UE, que está entretida a destruir aquilo que tanto demorou a construir: uma União. O “terceiro excluído” da coligação da nova ordem mundial é a UE, que está envolvida numa liderança política mas excluída nas decisões de âmbito monetário e económico, apesar de a UE ser a mais participativa e influente no seio do FMI.

Notas

O “vassalo Coelho” recebe a “rainha Merkel”: A notícia do dia deve ser a jornada de Angela Merkel na ocidental praia lusitana, Portugal. Em cinco horas, vai ao Palácio de Belém, vai ao forte de S.Julião almoçar com Passos Coelho, vai ao CCB fazer um discurso, e depois…adeus! Aqui está, para quem se lembra de como foi a visita de Merkel à Grécia que durou também cinco horas…pode verificar que a amizade de Passos Coelho por Merkel apenas garante que a senhora alemã trate Portugal da mesma forma que trata a Grécia: como uns vassalos.


Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana