A angústia de falhar um orgasmo

Ficou angustiada por ter falhado em simultâneo com ela um orgasmo que parecia fácil.

Era meio-dia, mas há muito que o casal tinha perdido a noção das horas e da necessidade de ingerir uma refeição, entretidas que estavam numa troca de carícias, a antecipar talvez o facto de que quando terminassem deveria estar na hora de irem jantar.

Era visível no rosto de ambas, uma máscara de prazer a que não seria alheio saberem perfeitamente em que partes do corpo de cada uma deveriam tocar de modo a obter mais prazer. Despidas, tinham a cobri-las um lençol, e na semiobscuridade do quarto já não era aparente o rasto deixado pelas cuecas que tiraram à pressa como se lhes apertassem nas virilhas, mas só agora se tivessem queixado.

A mais alta era mais atlética e tinha os seios maiores. Manteve-se debaixo da outra, assumindo propositadamente uma postura submissa, baseada na pose feminina preferida dos homens sem jeito para lhes agradar. Sorria desmesuradamente com olhos azuis brilhantes iguais ao de uma gata siamesa que usasse lentes de contacto, mas com muito menos pelo nas partes do corpo aonde fazia questão de se depilar. Por seu lado, a outra era mais rechonchuda e de tal forma confiava no bom gosto da amiga, que não hesitava em, sempre que ela pedia, subir ou descer o cabelo, apanhando ou largando, conforme lhe conviesse a outra fantasiar que nesse instante estaria na cama com várias mulheres ao mesmo tempo.

A manhã fora tranquila, passada entre o quarto e a cozinha para preparar um pequeno-almoço suculento pensado em retemperar as forças. Há muito não dormiam até tão tarde e, nunca tanto como agora, lhes apetecera desfrutar simplesmente da companhia uma da outra, no conforto de saber dominar a tentação de estarem juntas sem ser a fazer amor.

Chamavam-se ambas Helena, mas a roliça tinha Soraia no lugar de Sofia e, dito por uma criança de três anos, um apelido que não parecia estar a ser lido com sotaque russo. Subitamente, ouviram-se risos e gemidos vindos de cima, que as fizeram querer evadir-se como se morassem num prédio em que fosse normal as pessoas fazerem amor na escada.

No andar de cima, morava agora um casal de lésbicas que não se coibia de passar por elas a sorrir e que agora devia estar a materializar o desejo de fazer amor no quarto, o único lugar da casa donde achavam salutar ouvir, de noite, o barulho de móveis a arrastar como se estivessem a fazer uma mudança.

Às tantas, pararam os gemidos e a cama parou de solavancar, e quem dúvidas tivesse, antes do estremecimento final é que percebeu tratar-se das duas mulheres, porque gritaram uma à outra um tão grande número de palavras ternurentas, que não passaria pela cabeça de nenhum homem pensá-las.

Entre as helenas cresceu uma sensação de volúpia, aumentada pela proximidade dos corpos nus e a crescente onde de entusiasmo deu lugar a beijos, adulações de língua, de pernas entrelaçadas, aninhando-se no lado da cama em que mais perto estariam de levantar-se, para ir à porta e abri-la no caso de lá irem tocar, perguntando se podiam entrar.

Não importa qual das duas ficou angustiada de ter falhado a expetativa da outra. Falhou o orgasmo, mas não errou no intento de amar. Pior era se não tivesse errado o clímax, mas falhasse falhado o desígnio de amar.

FIM