A AstraZeneca — e os seus superpoderes!

           — Celestino! — gritou a sua esposa, já esbaforida — olha o teu telemóvel, homem!

         — Calma, mulher! Vou já ver! — respondeu Celestino, ao mesmo tempo que se apressava em busca do telemóvel. Podia ser importante, mas Celestino, por mais depressa que fosse, não conseguia já correr devido às artroses nos joelhos que pioraram assim que fez os seus actuais 65 anos de idade. Alcançou o telefone, mas o mesmo já se calara há muito.

         — Olha, é uma mensagem! Traz-me os óculos de ver ao perto, mulher! — gritou Celestino. A mulher apressou-se a entregar-lhe os óculos, pois ela própria estava ansiosa para saber o conteúdo da mensagem que Celestino acabara de receber.

         — Hum… Bom, parece que é do Centro de Saúde. Diz aqui que é para ir levar a vacina contra o Covides, ou lá o que é… — disse Celestino, demonstrando alguma desilusão. No seu entender, não era aquela mensagem que lhe traria alguma alegria, visto que estava há séculos à espera que caísse a mensagem do Zé da tasca da esquina, a informá-lo que tinha acabado de ganhar 600 euros em jogo ilegal onde Celestino investia todas as semanas.

         A mulher de Celestino encheu-se rapidamente de preocupação. Pois, segundo o que diziam diariamente nos telejornais, as vacinas contra o bicho estavam a matar pessoas no mundo, invés de as proteger contra o Coronavírus. Ela própria já teria medo de receber a vacina, e agora ainda com mais medo ficou, mas desta vez pelo seu marido, o seu Celestino.

         — Ai, filho, tu tem cuidado com isso. Não vês o que dizem nas notícias todos os dias? Achas que é boa ideia levares o raio da vacina?

        — Lá estás tu, mulher. Sempre a pensar o pior. É por seres assim que estamos como estamos. Estás sempre a puxar o mal.

         — Tu é que sabes, Celestino. Mas eu cá não acho nada boa ideia ires levar a vacina. Ao menos, antes de te espetarem a agulha, pergunta qual é a marca da vacina. Se for da AstraSoneca ou lá o que é aquilo, não leves. Acho que essa está a matar pessoas! — respondeu a sua esposa, visivelmente preocupada.

         Celestino já nem respondeu. Virou costas e foi para até à horta regar as alfaces. Na verdade, aquela preocupação da sua esposa assustara-o um pouco. Mas, claro, aquilo seria apenas exagero por parte dela. Ela era sempre assim com tudo na vida — sempre com pessimismo, a puxar sempre o mal.

         No dia marcado lá se encontrava Celestino sentado na sala de espera do Centro de Saúde, à espera de que o chamassem para levar o raça da vacina. Tentou não se esquecer do nome da tal vacina que estava a matar pessoas no mundo, para assim perguntar à enfermeira — decidindo depois o que fazer na altura. O altifalante entoou o seu nome e Celestino apressou-se a alcançar o gabinete da enfermeira, apesar das artroses que estavam sempre presentes.

         — Olá, shôr Celestino — disse a enfermeira, assim que Celestino entrou no gabinete, já visivelmente cansado — sente-se aqui nesta cadeirinha, que isto é muito rápido e não tem nada que saber.

        — Desculpe, menina, diga-me uma coisa: qual é o nome da vacina que vou levar? — apressou-se a perguntar, antes que se esquecesse de tal.

         — É a vacina contra a Covid-19, shôr Celestino. — respondeu prontamente a enfermeira.

         — Não, menina. A marca da vacina, qual é?

         — Ah! É a da AstraZeneca.

         — Oh… Não é essa que está a matar pessoas no mundo? — atirou Celestino, preocupado.

         A enfermeira riu-se enquanto preparava a seringa e disse:

         — Não tenha medo, shôr Celestino. Não vai existir nenhum problema. Pode confiar!

         Sem perceber muito bem o porquê, Celestino acalmou-se com a resposta que a enfermeira lhe deu e optou por ficar em silêncio enquanto a enfermeira lhe administrava a vacina. No fim, e antes de sair do gabinete, a enfermeira avisou-o dos possíveis efeitos secundários que a vacina podia provocar-lhe: falta de ar, dor no peito, inchaço ou frio nas pernas e braços, dores de cabeça e até visão turva. Mas para não se preocupar porque tudo passaria num espaço de 3 dias. Celestino agradeceu e regressou a casa. Morara bastante perto do Centro de Saúde, aproximadamente uns 100 metros, e a meio do caminho Celestino começou a notar algo estranho em si. As dores nos joelhos, resultantes das artroses que o apoquentavam diariamente, tinham desaparecido. Andava a um ritmo muito elevado e muito rapidamente chegou a casa.

         — Então, filho? Qual era a vacina? — apressou-se a sua esposa a perguntar-lhe.

         — É aquela… — antes de proferir o resto da frase, Celestino parou um pouco para pensar e achou melhor não dizer à sua esposa que a vacina que lhe tinham administrado tinha sido, de facto, aquela que anda a matar pessoas no mundo — …é aquela outra vacina, não aquela que disseste. — acabou por dizer. A esposa simplesmente suspirou de alívio e nada mais disse. Celestino, sem perceber muito bem o porquê, sentiu-me muito cansado e optou por se deitar um pouco para recuperar do cansaço.

         Acabou por adormecer e só acordou passados 2 dias. Assim que abriu os olhos, sentiu imediatamente que algo estava diferente. Sentia-se muitíssimo bem! Cheio de energia e com vontade de correr uma maratona. Levantou-se da cama num salto digno de um acrobata e parou diante do espelho para tentar entender o porquê de se sentir tão bem. E quase teve um ataque cardíaco. A pessoa que estava reflectida no espelho não era ele. No espelho estava uma pessoa com um tom de pele verde, com músculos bem salientes em todas as zonas do corpo onde era possível existirem músculos, e tinha vestido uma espécie de minissaia que o afligiu imediatamente. Gritou de desespero e apercebeu-se que até a voz já não era a sua. Tudo estava diferente. A esposa entrou no quarto e, colocando as mãos na cabeça, disse:

         — Meu Deus, Celestino! Tu és o Hulk e a Mulher-Maravilha ao mesmo tempo!

         Celestino voltou a olhar para o espelho e constatou que, de facto, a sua esposa tinha razão. Ele tinha-se transformado na junção de dois super-heróis da Marvel. Apressou-se a aplicar um valente murro na mesa-de-cabeceira para se certificar que tinha igualmente superpoderes, destruindo por completo a peça de mobília.

         — Mulher! Foi a vacina! Deu-me superpoderes — apressou-se a dizer — sinto-me tão bem, como não me sentia há anos!

         — Que Deus nos ajude! — exclamou a esposa.

        — Qual Deus, qual quê?! Está é na hora de ires levar a vacina também! Vais ver que até as hérnias que te castigam há anos vão desaparecer! — respondeu Celestino.

         Antes que a mulher pudesse responder, Celestino começou a sentir-se zonzo e com suores frios. Perdeu as forças e deixou-se cair, e assim que bateu no chão a escuridão apoderou-se dele. Passados uns segundos, acordou. Olhou em redor e apercebeu-se que estava deitado na sua cama, os lençóis estavam completamente encharcados do suor do seu corpo e a sua esposa estava ao seu lado, sentada numa cadeira, ostentando uma expressão de preocupação.

        — Olá, filha — começou por dizer Celestino, apercebendo-se que a sua voz tinha regressado — está tudo bem? Quanto tempo estive a dormir?

       — Ai, Celestino… Há uma semana que estás nessa cama a dormir, cheio de febre. Pensei que fosses morrer! Estava tão preocupada! — disse a sua esposa, bastante angustiada.

         Celestino revirou os olhos. Fez um esforço para se relembrar de tudo o que tinha acontecido e, rapidamente, surgiu-lhe a imagem de si mesmo no espelho, completamente verde, com músculos salientes e ostentando uma espécie de minissaia. Olhou para a sua esposa e disse:

         — Mulher, depressa, as minhas roupas. Tenho de ir rapidamente ao Centro de Saúde!

         — Mas… mas… fazer o quê, homem de Deus?! — respondeu a esposa, bastante surpreendida.

         — Preciso, urgentemente, de ir levar outra vacina da AstraZeneca!

         Após 5 segundos de silêncio, ouviu-se um valente estrondo.

         A esposa tinha acabado de desmaiar.

FIM