A Batalha de Aljubarrota

“Deu sinal a trombeta Castelhana,
Horrendo, fero, ingente e temeroso;
Ouviu-o o monte Artabro, e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso.
Ouviu[-o] o Douro e a terra Transtagana;
Correu ao mar o Tejo duvidoso;
E as mães, que o som terríbil escuitaram,
Aos peitos os filhinhos apertaram.”

Luís Vaz de Camões, Lusiadas, Canto IV

O ano é 1383, Portugal encontra-se à mercê de invasão estrangeira. D. Fernando I, Rei de Portugal e dos Algarves, o único sucessor directo da antiga dinastia de Borgonha, morre a 20 de Outubro, de tuberculose. Infelizmente, a morte inesperada do monarca coloca Portugal numa situação precária e de difícil resolução que vai beber, também, da fraca aptidão e das escolhas diplomáticas do mesmo, nos anos anteriores. No rescaldo da guerra civil castelhana (1366-1369), que culminou com a morte do cruel Pedro de Castela, muitos foram os monarcas ibéricos a plantar as suas pretensões ao trono, sendo D. Fernando um dos interessados, devido às ligações de sangue pela via do seu avô, D. Sancho IV de Castela. O resultado foi uma desordem total, e o inicio das apelidadas Guerras Fernandinas (1369-1382): um conjunto de campanhas militares sem vencedores que, numa primeira fase, acabou com a intervenção do Papa Gregório XI. O tratado estipulado para a paz, em 1371, declara que D. Fernando casará com D.  Leonor de Castela, mas o rei de Portugal tem outra mulher em vista. Anulando o casamento antes de este ser validado, decide casar com  D. Leonor Teles de Menezes, uma dama de origem castelhana. A decisão enfurece a nobreza portuguesa, embora o rei castelhano D. Henrique ignore o sucedido, entregando a sua filha a Carlos III de Navarra.

A paz com Castela não dura mais do que dois anos, e depressa torna-se evidente para a nobreza que D. Fernando está a ser influenciado negativamente, tanto pela sua escolhida rainha, como pelo Duque de Lencaster, também pretendente ao trono de D. Henrique de Castela, e com desejos de suplantá-lo com a ajuda do monarca português. Novamente as campanhas militares são um fracasso, e vão ressentir-se negativamente na politica interna, embora D. Fernando seja o responsável pela Lei das Sesmarias e por um maior foco no comércio externo que encheu Lisboa de mercadores estrangeiros durante o seu reinado.

A terceira fase das Guerras Fernandinas surge, mais uma vez, por intermédio do Duque de Lancaster, devido à morte de D. Henrique de Castela, que abre a possibilidade de um novo conflito. Lancaster acaba por se tornar um aliado insuportável e desrespeitador, o que obriga D. Fernando a assinar uma paz paralela, o Tratado de Elvas, em 1382, e o Tratado de Salva-Terra de Magos, já no ano da sua morte, com o novo rei castelhano: D. Juan I. Estes são os últimos pregos no caixão dos acontecimentos que se seguiriam, pois estipulam o casamento da única filha de D. Fernando, D. Beatriz, com D. Juan I, e a regência de D. Leonor Telles na eventualidade da morte do monarca português sem um herdeiro que assumisse a coroa. Já o eventual filho de D. Beatriz herdaria a coroa portuguesa, e embora o tratado defina que os reinos nunca deviam ser unidos, isso não significa que não partilhassem o mesmo rei. A nobreza portuguesa assistia, assim, ao declínio das boas graças de Fernando, e a sua morte veio a confirmar os seus receios. Portugal estava em risco, e a linhagem real de Borgonha, que remontava ao conde D. Henrique, chegava assim ao seu fim.

Com morte de D. Fernando, a nobreza portuguesa organiza-se em torno de várias facções e grupos de influência. É importante relembrar que o nacionalismo é um conceito moderno e que a nobreza portuguesa tem vários interesses nesta época, que suplantam qualquer instinto primordial de cariz territorial, algo que inundou a Europa no século XVIII. Para a nobreza das cidades, a união dos reinos faria com que Porto e Lisboa se transformassem em apenas mais dois portos numa monarquia muito mais abrangente, o que poderia prejudicar todo o comércio. Outras famílias temiam perder um conjunto de privilégios e regalias, conquistados através das influências que tinham, do lado castelhano ou português. A corte portuguesa, nesta época, tinha um grande número de nobres castelhanos exilados, que tinham sido acolhidos por D. Fernando, presumivelmente por influência D. Leonor Telles.

Dois irmãos ilegítimos de D. Fernando, e filhos de D. Pedro I, reúnem a si grupos de nobres que anseiam por uma mudança radical face à situação politica existente. Aqui começa a confusão de figuras de nome “João”. O partido mais pequeno e constituído por nobres de famílias antigas, que não se revém em nenhuma das outras facções, pede a aclamação de D. João de Castro, ou D. João de Portugal, como rei de Portugal. Este João é filho ilegítimo de D. Pedro e D. Inês. Esses mesmo! Mas o seu partido, embora de ruptura, não é tão importante no grande esquemas das coisas.

O segundo partido é encabeçado por D. João, Mestre de Avis, um bastardo, fruto da relação de D. Pedro com uma mulher galega de nome Teresa Lourenço, da qual pouco se sabe. Esta facção partidária é constituída maioritariamente pela nobreza de segundos filhos e bastardos, que segundo as leis da época, assim como um pouco por toda a Idade Média, estavam destinados a viver na penumbra da grande politica dos salões da corte. Muitos destinados à vida monástica ou a herdar pouco ou nada, vêm o Mestre de Avis como uma oportunidade de afirmação e de mudança. É uma facção mais radical, e mais levada a riscos.

Por fim, o partido mais influente é, sem dúvida, o de D. Leonor Telles, apoiado por D. Beatriz, e D. Juan I. O monarca castelhano quer que o reino de Portugal passe para a sua mulher, o que de certo modo o mantêm na sua esfera de poder e influência. A esta facção junta-se a nobreza portuguesa, ou de origem castelhana, que teme perder privilégios se um dos outros pretendentes chegar ao trono.

O clima na capital é tenso e violento, e logo em Dezembro de 1383, o conde castelhano Francisco de Andeiro, suposto amante da rainha D. Leonor Telles, é assassinado pelas mãos de apoiantes do Mestre de Avis. O cronista Fernão Lopes escreve que instigados pelos partidários do Mestre, na figura de Alvaro Pais, os sinos da capital tocaram e levaram a uma aclamação popular pela causa de D. João. O Bispo de Lisboa, o castelhano Martinho de Zamora,  recusou tal manifestação trancando-se na Sé. Os populares conseguiram, no entanto, entrar no edifício atirando o bispo pelo campanário e matando-o. O Mestre de Avis consegue, com este golpe, legitimar a força da sua facção partidária e chamar a si todas as famílias que defendem a independência do reino, sendo aclamado Regedor e Defensor do Reino. Entre os seus apoiantes está um cavaleiro brilhante, filho ilegítimo e futuro responsável por uma das maiores vitórias militares da História de Portugal. De seu nome Nuno Alvares Pereira, ajuda o D. João a conquistar alguns dos castelos em redor de Lisboa que apoiavam Castela.

Em Abril de 1384, o exercito português defronta-se com o Castelhano na Batalha dos Atoleiros. Os portugueses são liderados por Nuno Alvares Pereira, que tem ao seu dispor entre 1.000 a 1.200 homens. O exército Castelhano tem cerca de 5.000, mas não estão preparados para a estratégia militar portuguesa. Usando uma táctica defensiva popularizada na Guerra dos Cem Anos, o exército português aguarda pela surtida da cavalaria castelhana, com os lanceiros como linha da frente. Nuno Alvares escolhe um terreno ligeiramente inclinado junto a um pequeno riacho que servirá como fosso e obstáculo. Um terreno convidativo que beneficia os besteiros portugueses! O exército português mantêm a sua posição esperando a acção castelhana, que não tarda a acontecer! O exército inimigo, ao ver tão pequeno número de portugueses, decide atacar em força com uma carga de cavalaria pesada, subestimando os números portugueses e as condições pantanosas do terreno. A batalha é ganha, a cavalaria castelhana chacinada, e o exercito rechaçado de volta para a fronteira. O que pouca gente sabe é que um dos nobres que lutava no exército castelhano, era o próprio meio-irmão de Nuno Alvares, Pedro Álvares Pereira, que sobreviveu à batalha. Diz-se, de forma a legitimar a pretensão ao trono do Mestre de Avis, que não houve baixas no exército português o que significaria que Deus combatia pela causa de D. João.

Com a ineficiência do exército espanhol, D. Juan I de Castela decide realizar a campanha pelas próprias mãos. Tenta suprimir a revolta do Mestre entrando em território Português pelo centro, conquistando Santarém e obrigando D. Leonor a abdicar. Em Maio, segue para Lisboa e inicia um cerco à cidade, na esperança de suprimir rapidamente a revolta e garantir o trono para sua esposa. Enquanto a cidade era cercada por terra, também o era pelo mar pela frota marítima castelhana. Durante quase 5 meses, a cidade foi cercada, mas uma frota de navios vinda do Porto conseguiu romper o cerco e trazer mantimentos para a cidade. Para não bastar, a Peste Negra, que ainda causava pequenos surtos ocasionais a nível europeu, surgiu no acampamento castelhano. O exercito alentejano de Nuno Alvares levou também a cabo algumas surtidas que acabaram, por fim, por romper o cerco.

D. Juan I de Castela não demorou a voltar ao seu reino, desta vez com o objectivo de liderar um exército notável. Através da frágil politica europeia, e do clima bélico da Guerra dos Cem Anos, Juan, pediu auxílio ao seu aliado tradicional, o Reino de França, que o muniu de cavalaria pesada. Já Portugal viu esta como uma oportunidade para legitimar um pedido de tropas ao reino de Inglaterra, com quem tinha um Pacto de Aliança desde 1373. O resultado desde pedido, e o profundo ódio inglês em relação aos franceses, facilitou o envio de duas centenas de arqueiros veteranos, os longbowmen, a elite do combate estacionária a longa distância da Idade Média, e o terror dos franceses.

Em Abril de 1385, enquanto ambos os lados do conflito reorganizam as suas forças, reúnem-se as cortes em Coimbra. Os partidários das diferentes facções entram em combate politico para decidirem qual o melhor rei para Portugal. João das Regras, apoiante do Mestre de Avis, expõe com grande detalhe porque apoia D. João I, e a presença militar de Nuno Alvares Pereira com cerca de 300 homens acaba por não deixar muitas dúvidas aos que se opunham. D. João, Mestre de Avis torna-se, D. João I de Portugal, começando assim a dinastia de Avis. Mas Castela ainda não foi vencida. Com a noticia de que D. Juan I prepara uma nova investida a Lisboa, parece claro que a capital não pode aguentar mais privações e cercos. Nuno Alvares Pereira pensa que será melhor defrontar a hoste castelhana em terreno aberto, um terreno que os defensores possam escolher interceptando o inimigo na estrada da Beira.

Um exército de pouco mais de 6.500 a 8000 homens desloca-se assim para Aljubarrota, mais precisamente para os campos de S. Jorge,  aproveitando a lentidão da grande hoste castelhana para escolher e preparar o terreno. Colocando o seu exército entre três ribeiros num planalto de difícil acesso pelos flancos, Nuno Alvares constrói um conjunto de disposições defensivas com covas de lobo, paliçadas, estrepes e abatises.

Quando o exército castelhano chega ao local com cerca de 31.000 homens, o português espera-o pacientemente no planalto. D. Juan I sabe que não deve enfrentar directamente a hoste portuguesa pelo riacho que se estende à sua frente, por isso decide atacar a colina pelo lado menos complicado de forma a poupar muitos dos seus homens. Isso envolve que contorne o terreno dirigindo-se para sul, e presume ele, que esse lado estará menos preparado e armadilhado. No entanto, Nuno Alvares Pereira terá previsto que esta seria a táctica mais sensata por parte do monarca castelhano, e por isso, o exército português vai acompanhando a sua manobra de contorno. Alguns historiadores discutem que o exército português poderá não ter previsto a manobra castelhana mas terá conseguido reforçar a posição em pouco tempo, pois tamanha hoste de D. Juan ainda teve de percorrer cerca de 2 km para se reposicionar. A nova disposição para a batalha dá uma falsa confiança ao exército castelhano, isto porque o Sol fica a seu favor e a inclinação do terreno sugere alguma vantagem militar.

No exército português reina a paciência e a contenção, esperando que a qualquer momento o inimigo comece uma manobra não calculada. Nuno Álvares Pereira sabe que o terreno apresenta algumas falhas, e pretende que isso seja depreendido por D. Juan I como sinal para um movimento brusco e pouco pensado. A diferença em números poderia fazer com que monarca castelhano repetisse o erro dos seus comandantes nos Atoleiros, especialmente se pensasse que os portugueses estavam em posição precária. Mas na verdade, a posição dos dois riachos criava um corredor estreito que fazia com que o exercito castelhano não pudesse enfrentar a hoste portuguesa em plena força. Lembremo-nos da Batalha das Termópilas, tão famosa na nossa cultura popular.

Sendo já fim da tarde o rei castelhano foi aconselhado a esperar, de forma a alimentar a hoste, ou até mesmo a ser paciente e esperar que os portugueses saíssem da sua posição privilegiada ao seu encontro. Outros foram aqueles que o aconselharam a ignorar o exercito e a seguir para Lisboa, mas outros ainda consideravam uma desonra não atacar tão pequena hoste. Sem demoras D. Juan I decidiu começar a batalha com disparos de troms, canhões ainda rudimentares. Não abdicaria da sua honra, por tão pequeno exército…

O exército português era constituído por uma vanguarda com 600 lanceiros, entre outras variedades de infantaria. A ala esquerda era apelidada de Ala dos Namorados, devido ao número de jovens que ai combatia, constituída de 400 besteiros, 200 lanças e 650 homens. A ala direita dispunha de 200 arqueiros ingleses, 100 besteiros, 200 lanças e 750 homens a pé.  Sem perder a formação esperou pacientemente.

D. Juan I faz avançar sobre os portugueses uma carga de cavalaria de 2.000 homens, maioritariamente constituída pelos auxiliares franceses. Tarde de mais percebem que os abatises, o conjunto de armadilhas, e as particularidades do terreno dificultavam o seu avanço e o seu potencial, estreitando também o seu percurso e limitando a sua movimentação. Os temíveis arqueiros ingleses e os besteiros portugueses fizeram chover o inferno em cima da cavalaria franco-castelhana. Os que ultrapassavam os disparos certeiros dos arqueiros caiam com suas montadas nas covas do lobo. Aqueles que chegaram a hoste portuguesa acabam por não ter ímpeto nem espaço suficiente para fazer a diferença, e saltavam dos seus cavalos. Muitos foram capturados enquanto corpos de cavalos e tropas se acumulavam no campo de batalha.

O rei espanhol é novamente aconselhado a ponderar uma paragem que permita recomeçar as hostilidades na manhã seguinte, ou mesmo ignorar a hoste portuguesa e seguir para Lisboa, mas D. Juan I recusa-se a deixar os seus cavaleiros como reféns do inimigo. Decide avançar em força sobre a hoste portuguesa. Mais uma vez, as configurações do terreno levam a melhor. A força castelhana vai avançando mas perde a compostura, e a formação torna-se numa força compacta, uma vez que alas não conseguem avançar sem ficarem comprimidas contra a vanguarda. A retaguarda do exército castelhano acaba também por se colar à vanguarda, porque esta não avançou rápido o suficiente. Os besteiros castelhanos não conseguem disparar, não têm espaço para proceder ao carregamento das armas, nem visão do inimigo que lhes permita disparar com eficiência. Muitos são os soldados do exército castelhano que morrem sem qualquer ferimento, são esmagados pelos seus próprios compatriotas. Mais uma vez as armadilhas e os arqueiros fazem o resto e chovem setas contra um exército completamente comprimido, o que aumenta a eficiência das mesmas.

No entanto, os castelhanos são mais numerosos nesta investida, e muitos chegam à vanguarda portuguesa, perto de Nuno Alvares Pereira e dos seus 50 escudeiros. Nesse momento, começa a luta corpo-a-corpo. O exercito castelhano já teve milhares de baixas e continua com dificuldades em mover-se mas ultrapassou as armadilhas e o alcance seguro das setas portuguesa e inglesas. A escaramuça é sangrenta e a vanguarda portuguesa cede junto da Ala dos Namorados! Os arqueiros ingleses e besteiros portugueses recuam, e recomeçam a disparar contra as alas, evitando que os castelhanos se aproveitassem da súbita quebra defensiva. O Mestre de Avis, juntou a retaguarda avança para colmatar as falhas. Pajens e escudeiros, seguem a hoste de D. João, numa carga que trava o exército castelhano. Estes, pressionados pelos portugueses são eventualmente rodeados em três lados.

Os exército castelhano, ciente da derrota, entra em pânico! Para piorar a situação, o estandarte de D. Juan I é derrubado fazendo crer que o Rei de Castela está morto ou capturado. Começa a fuga, mas os arqueiros ingleses e besteiros portugueses ainda têm munições, que usam sem cerimónia. O rei castelhano tenta ainda reorganizar a sua hoste, mas a fuga das suas tropas demove-o. Os portugueses passam à ofensiva, e a partir desse momento avançam, rechaçando o que resta. Algumas das forças castelhanas tentaram ainda atacar pelos flancos, focando-se nas carruagens que traziam bens e armas, mas Nuno Alvares Pereira alertado para o facto por D. João I, defendeu a posição com sucesso. O exercito português tinha vencido!

O rescaldo da batalha parece impressionante quando se trata de números. O exercito português perdeu cerca de 1.000 homens, o castelhano cerca de 4.000, com 5.000 prisioneiros. A população portuguesa terá morto outros 5.000 nos dias que se seguiram, o que deu azo a várias lendas, a mais conhecida a da Padeira de Aljubarrota que matou um número variável que castelhanos que se esconderam no seu forno. Em Castela, o reino ficou em luto oficial até ao Natal de 1387!

A Batalha Aljubarrota é um marco cimeiro da independência portuguesa e, passado quase 650 anos, continua, como em tudo na História, um marco de disputa entre historiadores. No entanto, o ensino português continua a transmitir alguns erros, ou interpretações, que podem não corresponder a realidade. Em primeiro lugar, os números reais na batalha podem ter sido exagerados para dar ainda mais glória aos portugueses, da mesma forma que nos Atoleiros, como já referido, corre a lenda que não houve qualquer baixa portuguesa.

Em segundo, e mais infame, é a suposta táctica única utilizada pelos portugueses. A táctica usada em Aljubarrota foi aperfeiçoada possivelmente por quem a conhecia bem: os ingleses, que a usaram com grande resultado na Guerra dos Cem Anos para compensar conflitos desiguais. Na literatura aconselhada, que segue este artigo, poderão constatar pelo trabalho desenvolvido pela historiografia que na Batalha de Courtrai, na Flandres, em 1302, já há registos de tácticas onde um número inferior de infantaria rechaça cavalaria pesada. Se o mérito está no cérebro da figura letrada de Nuno Alvares Pereira, está também no seu interesse por tácticas de combate, e também no seu conhecimento e partilha com os soldados ingleses. Poucas provas há também da célebre “táctica do quadrado”, é provavelmente fruto da imaginação de Fernão Lopes, algo que se mantém na nossa cultura popular e nos nossos livros escolares.

Aljubarrota não leva a paz com Castela, mas cimenta a legitimidade de D. João I, “o de Boa Memória”, numa nova dinastia que levaria Portugal além-mar. A paz só chega no ano de 1411, embora as hostilidades tenham acabado verdadeiramente em 1400. O contacto com a Inglaterra, na altura longe de ser um império, ou sequer uma potência europeia, acaba por criar a aliança militar mais antiga do Mundo, formalizada no Tratado de Windsor. D. João I casa com Filipa de Lencaster, que amavelmente traduzimos ao longo dos anos para Lencastre. Monarca culto, D. João I contrariava os padrões da época, e seria o patriarca da “Inclita Geração”, sendo o pai de figuras ilustres e visionários, como o Infante D. Henrique, D. Duarte I, D. Pedro, o Duque de Coimbra, ou o Infante Santo, D. Fernando. A dinastia dos iluminados e dos cultos, que morreria em Alcácer-Quibir com D. Sebastião, levaria “novos mundos ao Mundo” num império marítimo nunca antes visto!

Já Nuno Alvares Pereira, serviu D. João I durante décadas. Defrontou-se com os castelhanos na Batalha de Valverde dois meses depois de Aljubarrota, na tentativa de invadir Castela. Venceu novamente, contra números superiores! Em 1415, esteve na conquista de Ceuta mas recusou o pedido para lá ficar. Com a morte da sua mulher decidiu abraçar a vida monástica, conhecido pela sua generosidade parece ter morrido em 1431, na sua cama, rodeado pelo rei e pelos infantes portugueses. Mas o seu contributo não acaba aqui! A sua única herdeira, D. Beatriz, casou com o primeiro Duque de Bragança, o que significa que está ligado directamente à última dinastia portuguesa, e que os seus descendentes eventualmente constituíram a família real portuguesa, que hoje temos de maneira não oficial.

Já no campo da batalha foi erigida a Ermida de São Jorge. D. João I mandou construir o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, e fundar a vila da Batalha, ainda hoje testemunho deste tão importante acontecimento para o nosso país “à beira mal plantado”…

 

Algumas fontes e auxiliares:

Fernão Lopes (2009). Crónicas de Fernão Lopes. Lisboa: Verbo.

Monteiro, João Gouveia (2006). A Batalha de Aljubarrota. Novas Interpretações. Revista de História da Sociedade e da Cultura. nº 6. 105-122.

Fundação Batalha de Aljubarrota