A calvície de um careca com cabelo

Existe uma diferença em ser careca e ser-se careca. Ser careca, significa não ter cabelo. O que é exactamente o contrário de ser-se careca. Porque, existe uma diferença colossal entre não ter cabelo e ter cabelo e optar por o rapar de forma a parecer-se que não se tem cabelo. Se, por um lado, uma das opções é não ter opção de escolha, por outro, a outra opção trata-se de uma escolha pessoal. É confuso? Não, trata-se apenas de calvície pura e dura de um lado, e uma selecção meramente estética do outro — o que pode, por vezes, causar alguma repulsa em quem não tem opção de escolha.

Continua confuso? Um pouco. Mas é, igualmente, simples.

Eu não sou careca. Tenho, sim, as apelidadas entradas que me levam a achar que é melhor rapar o cabelo para não ter de olhar todos os dias para aquilo que aparentam ser duas pistas de aterragem em paralelo. É mais fácil assim e não corro o risco de entrar em depressão de cada vez que tenho de me pentear ao acordar pela manhã. É rapar a zero e está despachado. Poupa-se em muitíssimas coisas. Como, por exemplo, em pentes. Ou, também, em géis para contrariar a vontade natural do cabelo — que, por vezes, teima em ir para a esquerda quando ordenamos que vá para a direita.

Ao rapar o cabelo, retiramos poder de escolha ao próprio cabelo. A partir daquele momento somos nós puramente que mandamos. Não há resistência, até porque já não existe nada para resistir — apenas um vasto descampado livre e simetricamente certinho. É um sentimento de poder, que nos causa alguma felicidade ou realização interior. Somos absorvidos por uma espécie de poder divino. Sentimo-nos Deuses do nosso próprio corpo.

Há, depois, quem pense que, ao rapar o cabelo, não existe uma necessidade de higienização da área superior da nossa cabeça. E, ocasionalmente, alguém tem a audácia de disparar perguntas como: “Então, mas tu lavas a cabeça?” ou mesmo “Tu não precisas de usar champô, pois não tens cabelo”.

A quem pensa assim, deixem-me dizer-vos que temo pela vossa pessoal. O careca, por opção ou não, por ser careca, não tem obrigatoriamente a desculpa para ser imundo. Lavar-se a cabeça, com ou sem cabelo, é obrigatório, necessário e responsável.

Ser careca ou ser-se careca não é desculpa para ser-se um javardolas. Lavar a cabeça com champô, com ou sem cabelo, é um dever cívico.

#sercarecanãoéserporco é a hashtag que devia circular nessas redes sociais nos dias de hoje…