A casa de campo da avó

Para aquele menino era sempre a mesma coisa no fim das férias grandes, quando se aprestava para o regresso às aulas:

– Temos de voltar para a nossa casa! – Era o que ouvia dizer à mãe, com o que sabia já o seu pai estar previamente de acordo quando o olhava de seguida e via a abanar a cabeça afirmativamente, para a frente e para trás, atribuindo àquela mera deliberação o mesmo dever de obediência que, aos decretos-lei, confere a respectiva aprovação pelos senhores deputados na Assembleia de República.

Não entendia por que razão não achava ela ser igualmente sua e só sua, a casa de campo da avó onde acabara de passar a maior parte das férias ou então porque usava ela a expressão “ a casa da avó” quando à pessoa se referia, como se a avó fosse de ambos e o facto de ser neto primogénito não lhe desse já o direito de afirmar que ela era sua e somente sua!

Era naquela casa que ele mais gostava de passar todo o Verão, bem localizada no campo, distante da praia e numa região ainda mais bonita do que todas as paisagens que avistava quando para lá iam no carro do pai.

A partir da janela mais alta da casa, uma das duas que havia no sótão, ambas ao mesmo nível mas a que estava por cima do quarto onde dormia, ele podia contemplar o mundo: a vegetação rasteira e não só que crescia desordenadamente sem a intervenção directa do homem que, naquele caso, era o seu sexagenário avô, o mesmo que cuidava da horta das traseiras da casa; do jardim no lado oposto, defronte da porta principal da casa; e da sebe, a paredes-meias com um muro com o qual formava uma espécie de paliçada a separar o terreno da rua por onde passava uma mal alcatroada estrada pouco movimentada.

Na orla da casa, virada a norte, viam-se alguns pinheiros bravos e mansos à mistura, mas só se alcançava o cume dos mais baixos, pois dos outros, de tão altos, ele não conseguia ver o fim. Destes só lhe era possível enxergar a sombra que, principalmente à tarde, se abatia sobre a casa e o pequeno quintal, contíguo à horta e onde se podia brincar à vontade mesmo nos dias mais ensolarados.

A uma distância considerável dos pinheiros mais afastados e, por isso, ainda maior da casa, havia espaço para uma montanha que se elevava acima das que a rodeavam, e atrás dessa ele imaginava que existisse outra e assim sucessivamente, que haveria de conhecer quando crescesse e pudesse correr o mundo que avistava daquela janela para o conquistar.

Durante esse período, aos fins-de-semana, costumavam lá receber a visita a visita dos tios maternos. A tia Cecília, irmã da mãe e ligeiramente mais velha do que ela, tinha uma filha, um pouco mais nova do que ele, com quem gostava de brincar e quando assim era escusava de pedir aos pais que o fizessem, pois notava que, para eles, isso representava quase sempre uma perda de tempo.

Ele e a prima faziam de manhã grandes passeatas, enquanto estava fresco, a pé ou de bicicleta por caminhos inesperados, não pelo trajecto acidentado semelhante em todos eles mas por desconhecerem sempre onde iam dar. Deles só esperavam que de, onde os levavam, também haveriam de trazer sãos e salvos a casa, de preferência perto da hora do almoço que era quando o calor e a fome começavam a apertar.

Quando entravam na última semana de Agosto tomava consciência de que as férias grandes estavam a terminar e lamentava que tivesses passado tão depressa. Por essa altura passava a sair menos de casa para aproveitar melhor o tempo que restava na companhia caseira da avó de quem iria em breve separar-se.

Ajudava-a a pôr a mesa para as refeições, bem como nas mais diversas tarefas domésticas que em casa nunca tinha vontade de fazer, como se quisesse recuperar o tempo perdido e retirar o máximo proveito daquele encontro que só voltaria a repetir-se, naquela casa, dali por um ano, na dos seus pais, na cidade, por altura do Natal.

– Deixa lá! – Disse-lhe ela uma vez em que o surpreendeu com uma lágrima no canto do olho a pensar na despedida – um dia serás tu que não queres cá vir visitar-me! – Ao que ele respondeu – Não! Isso nunca acontecerá! Hei-de vir sempre! – E dizendo isto, deixou escorrer a lágrima pelo rosto não se apressando a enxugá-la.

À vista disso ela sentou-se e carinhosamente pousou-lhe a cabeça no colo afagando-lhe os cabelos, disfarçando o embaraço e mostrando-lhe que estava do seu lado, tentando consolá-lo, sabendo que não conseguiria como não conseguiria com aquelas festas alisar-lhe o cabelo que era encaracolado.

Ainda nesse ano a casa de campo da avó foi vendida e ela teve de ir morar para casa da tia Cecília na cidade que era, de entre as filhas, a que tinha a casa maior e maior conforto lhe podia proporcionar.

No Verão do ano seguinte, pela primeira vez, o menino não esteve na casa de campo da avó e foi, com os pais, passar uns dias à praia.

Nos anos que se seguiram ele continuou a ir à escola e a ter férias grandes mas nunca mais achou que elas passassem tão depressa.