A Cultura e a Moda dos Anos 60 – Quando a Irreverência Chegou a Lisboa

Num domingo do mês de Maio, decidi fazer um programa cultural e arrastar a minha mãe comigo. Fomos até à Gulbenkian que não é apenas agradável por ser um jardim no meio da cidade, mas também por ser um espaço onde a história e a arte andam de mãos dadas. Visitámos duas exposições, actualmente patentes: “As Flores do Imperador”e “Pós-Pop – fora do lugar comum”.

“As Flores do Imperador” é uma exposição que nos remete para os séculos XVI e XVII, uma época em que as relações estabelecidas entre os europeus e o mundo asiático redimensionaram o conhecimento acerca da natureza com representações de flores e plantas exóticas em livros e tapeçarias.

“Pós-pop – fora do lugar comum” leva-nos a viajar para um passado mais recente e foi a exposição que mais me fascinou. O objectivo é colocar em evidência a década de 65-75 como os anos em que a arte se transformou, provocando uma ruptura nos padrões moralmente aceites. Muitos dos artistas desta época viram-se obrigados a partir, fugindo do conservadorismo num fluxo migratório que teve como destinos as cidades de Londres e Paris e que, mais tarde, acabaram por expor as suas obras em Portugal.

As participantes no concurso de Miss Mini Saia em 1967

Ao longo da exposição não encontramos só objectos e telas, mas também espaços que reúnem memórias de acontecimentos nas décadas mencionadas, ilustrados por recortes de imprensa e acompanhados de meios audiovisuais. Ouve-se a música pop-rock e uma legenda na parede que descreve este ritmo moderno como impulsionador da libertação de uma juventude portuguesa num país conservador e fechado. Sob a influência deste estilo, surgiram programas de rádio que passavam a nova música e foi criada a revista “Albuns Yé!Yé!”, um “magazine” que chegou a organizar concursos de dança em várias cidades de Portugal e nas colónias. Conseguem imaginar as jovens mulheres portuguesas a envergar uma mini-saia no Portugal de 1960? Antes de mergulhar nos meandros da História, eu própria dificilmente imaginaria, mas a verdade é que chegou mesmo a ser organizado um concurso da Miss mini-saia em 1967, e patrocinado pela loja de roupa Por-fí-rios Contraste, da qual falarei mais à frente.

Foi uma noite de chuvas de estrelas aquela que decorreu no dia 4 de Fevereiro de 1967. O Cineteatro Monumental foi o local escolhido para acolher um serão que seria único. A sessão de abertura contou com a cantora francesa Sylvie Vartan e as peripécias de Camilo Oliveira. Henrique Mendes e Maria João Aguiar foram os apresentadores do concurso que era exclusivo a raparigas maiores de 15 anos e a vencedora seria aquela que recebesse mais aplausos do público. A competição contou com a participação de dezassete participantes das quais chegaram dez à final. A elegância era evidente na passerelle e a beleza era enaltecida pelo Diário de Notícias. A vencedora foi Maria Isabel Rodrigues Castelhano, funcionária da loja Porfírios que recebeu um prémio de 3000 escudos (o equivalente a 15 euros) e uma viagem a Paris. A partir deste momento a mini saia, que fora uma criação de uma estilista londrina chamada Mary Quant, em 1964, tornou-se um sucesso entre as jovens da década de 1960 e, passou a ser vista como um símbolo de emancipação feminina.

A moda de Londres encontrava-se na Porfírios. Na época a Porfírios era uma loja de roupa com muito impacto na camada mais jovem da sociedade portuguesa da década de 60. Apercebi-me disso pela reacção da minha mãe, o que despoletou a minha curiosidade em saber mais sobre isso e consequentemente a vontade de escrever.

A Porfírios abriu portas em Lisboa no ano de 1965 por três irmãos da cidade do Porto, filhos de Porfírio de Araújo, proprietário de uma loja de meias na cidade Invicta. A loja de Lisboa era especializada em vestuário jovem com roupa fabricada em Portugal mas inspirada nas modas de Londres e Paris da década de 60. Inicialmente ocupa apenas um espaço na Rua da Vitória mas depois expande-se, com a vaga de um espaço maior, mesmo ao lado. A loja ganha assim duas entradas, uma na rua mencionada e outra na rua contígua, Rua dos Sapateiros. No interior havia luzes psicadélicas e música a fazer lembrar um ambiente de discoteca. A Porfírios era inovadora e rompia com os padrões estéticos, propondo aos jovens portugueses uma roupa mais ousada e extravagante, sendo exemplo disso os famosos jeans à boca-de-sino, as camisas coloridas, os blusões estampados, as mini saias, as collants coloridas e uma infinidade de acessórios. A Porfírios foi e continua a ser uma referência para toda uma geração, tendo sido a pioneira na criação da moda jovem até então inexistente e atingiu o seu apogeu na década de setenta. Foi uma lufada de ar fresco e irreverência que permitiu aos jovens de então libertarem-se do “espartilho” que caracterizava o regime vigente.

Banda de rock portuguesa formada no inicio dos anos 60 por Joaquim Costa, o “Elvis de Campolide”.

Não posso deixar de salientar que a Porfírios está inserida num contexto maior. Foi uma consequência positiva de uma revolução que chegava a Portugal na década de 60. O epicentro dessa revolução! Antes do 25 de Abril mudar para sempre o destino do país, os jovens começaram a sair à rua, impulsionados pelo cinema e a música rock n´roll. Uma revolução cultural que fez com que uma geração não se contentasse em estar “orgulhosamente só”, com vontade de se sintonizar com o resto do mundo. A irreverência ameaçou-se como possibilidade e esta por sua vez, consumou-se como uma nova identidade. A revolução yé-yé acabou por chegar a Portugal, cercando Lisboa, entrando-lhe pelas ruas e pelos hábitos e a moda de Londres encontrava-se na Porfírios.

A passagem para o século XXI trouxe consigo muitas mudanças, nomeadamente a internacionalização da oferta de roupa, o que gerou um mercado mais competitivo ao qual a Porfírios não resistiu. Fundada em 1965, e depois de mais de trinta anos a vestir uma juventude ávida das influências estrangeiras dos loucos anos sessenta, o estabelecimento não acompanhou a evolução e fechou portas em 2001. Continua, no entanto, presente na lembrança daqueles que a vestiram, como um ícone de ousadia e espírito democratizante. Foi o caso da minha mãe, das pessoas da sua geração e de algumas celebridades portuguesas.

Actualmente, o espaço outrora ocupado pela Porfírios é hoje uma pastelaria chamada “Pau de Canela”.

Quanto à exposição, estará patente na Gulbenkian até ao dia 10 de Setembro e a entrada é gratuita aos domingos a partir das 14h. Deixo a sugestão de a visitarem e deixarem-se envolver pelo ambiente artístico-revolucionário dos anos 60 e 70.

Algumas referências úteis:

Pós-Pop. Fora do lugar-comum – Museu Calouste Gulbenkian

https://www.publico.pt/2001/09/23/jornal/baixa-de-lisboa-diz-adeus-a-moda-porfirios-162141