A difícil questão das armas nos EUA – Francisco Duarte

“Não tenho conhecimento de qualquer evidência que demonstre que as armas reduzem a criminalidade.”

Alan Dershowitz

 

E assim foi, mais uma vez os Estados Unidos da América presenteiam o mundo com uma tragédia numa das suas escolas. Não vale a pena entrar em detalhes neste aspeto, os media, no seu frenesim habitual quando estas coisas ocorrem, ofereceram tempo mais que suficiente aos mesmos.

O facto é que em toda esta temática podemos ver um substrato de profunda hipocrisia no que diz respeito às políticas, indústria e sociedade americanas. Este é um país em que se teme o vizinho, haja ou não razões para isso, em que se promove a posse de uma arma como algo necessário para sobreviver nas suas “selvagens estepes”, em que muita gente ganha dinheiro e apoio político através do sangue de crianças.



O atual Presidente, Barack Obama, veio declarar que esta lógica de violência desnecessária teria de parar e que os americanos precisariam de mudar de modo a evitar tais catástrofes. Diga-se que este é o tipo de discurso pelo qual Obama é conhecido. Se ele quer realmente iniciar tal mudança ou se o pode fazer, de todo, é uma questão que fica no ar.

Os Estados Unidos em si não ajudam a fazer-se este tipo de mudanças pois, como está no momento, o país é altamente dividido, e com tendência a dividir-se cada vez mais. No entanto, o que significa, realmente, a possibilidade de mudar a paranoia das armas nos EUA?

A segunda emenda

Os habitantes dos EUA gostam muito de recorrer ao que pensam saber sobre a Constituição do seu país no que diz respeito a defender e definir as liberdades sociais. É normalmente declarado que a Segunda Emenda implica que cada cidadão tem o direito de possuir armas de fogo para defesa de si e dos seus. Logo qualquer tentativa, forte ou fraca de controlar a posse e uso de armas de fogo é altamente contestada. No entanto existem diversas falhas no modo como o americano normal e a propaganda da NRA (National Rifle Association – Associação Nacional de Armas) encaram o assunto.

Primeiro existe o evidente facto de que a lei remonta a uma outra época, mais precisamente o ano de 1791. A expansão do Oeste estava em pleno, assim como o conflito que expropriou os índios norte-americanos. Os famosos cowboys também sentiam necessidade de defender as suas cabeças de gado e havia conflitos com os vizinhos do Norte e do Sul. Evidentemente que a realidade mudou muito desde então. Desde o fim da Guerra Civil, e excetuando algumas escaramuças isoladas durante a Segunda Guerra Mundial, que os norte-americanos em geral não veem qualquer conflito no seu continente.

Segundo, a lei, se levada à letra, implica que as armas devem pertencer a elementos de uma milícia nacional. Novamente, isto remonta aos problemas da época, e, como já deve ter percebido, a maior parte dos portadores de armas nos EUA não pertence a qualquer organização.

A desculpa normalmente utilizada de que as armas de fogo servem para as pessoas se protegerem do crime violento peca por implicar uma lógica circular. As pessoas precisam de armas adquiridas legalmente para se defenderem de criminosos que usam armas adquiridas legalmente. Os cidadãos precisam de armas para se defenderem dos criminosos que precisarão de armas para os atacarem.

Não é que não haja crime violento noutros locais, mas a escala dos EUA é insana: 30.000 pessoas mortas por armas de fogo por ano numa população de 315 milhões! Nos EUA uma criança com menos de 14 anos corre um risco de ser morta por armas de fogo 13 vezes superior ao de outros países ocidentais!

A sociedade americana

A falta de controlo na distribuição e aquisição das armas de fogo torna-se, portanto, um problema essencial nos Estados Unidos. Contudo há problemas ainda mais essenciais que tornam o problema incrivelmente difícil de resolver.

Ignorância e racismo institucionalizados, assim como uma generalizada “cultura da inocência” (credo que defende que aqueles que sabem menos vêm mais verdades), levam a que sejam um povo absolutamente dividido, paranoico e com ilusões mediadas pelos meios de comunicação preferenciais (sabe-se que os lares americanos tendem a preferir um canal de televisão ou um jornal a todos os outros). A falta de noção da realidade e capitalismo cada vez mais selvagem que se impinge no seu substrato social levam a um domínio do capital sobre o bom-senso.

Se acho que alguma mudança real poderá advir da última catástrofe numa escola americana? Não creio. A coisa eventualmente será esquecida, até que venha a próxima tragédia. Aliás, aparentemente há já professores a levar armas para as escolas, numa tentativa de se defenderem. Infelizmente, é sabido que a presença de mais armas de fogo não irá minguar o problema, muito pelo contrário.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso