A excelência dos nossos profissionais nem sempre é reconhecida – Bruno Neves

Alguns assuntos incomodam-me bastante, e o facto de o mérito por vezes não ser atribuído a quem o devia ter é um deles. Ainda mais quando estamos a falar de jovens portugueses, competentes e de verdadeira excelência no seu ramo de actividade. Esta semana trago-vos um desses exemplos.

É uma prática proibida em muitos países, mas nos recifes de coral dos mares da China, Indonésia, Malásia, Filipinas e no Oceano Pacífico milhões de peixes tropicais exóticos são pescados com cianeto, um produto químico que põe os animais a dormir e que muitas vezes os mata, além de destruir os corais. Os peixes adormecidos são depois exportados para a Europa e América do Norte e vendidos aos aquários públicos ou aos fornecedores de aquariofilistas privados. Mas diversas vezes o cianeto é letal e os peixes mortos, em maior quantidade, são encaminhados para o mercado alimentar.

Como podem os aquários controlar a origem e a utilização, ou não, do cianeto? Até agora podiam fazê-lo através de um teste, contudo demorava horas a ser realizado, era necessário literalmente matar o animal testado, eram usados produtos cancerígenos que colocavam em risco a saúde do próprio investigador e era um procedimento caro dado que custava entre 20€ e 50€.

Pois tenho a dizer-vos que isto pertence ao passado. E tudo por causa de um cidadão português. Ricardo Calado é investigador do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e lidera uma equipa de cientistas que criou um sistema muito mais simples de detecção do cianeto nos peixes. É muito mais simples, rápido, não invasivo e não destrutivo para os animais e muito mais barato também. Este é um sistema inovador, único no mundo, e que recentemente foi noticiado pelo jornal britânico “Sunday Times” e que está a ser usado (desde o dia 1 de Julho) pela Sea Life (que é “apenas” a maior rede de aquários públicos do mundo, com mais de 40 exemplares, um deles no Porto). Algum de vocês ouviu falar nesta notícia? Certamente que o número de respostas afirmativas foi muito baixo. Este é o motivo ao qual me referia no início deste texto…

Portanto vamos recapitular: temos um cientista português que criou um método inovador que vai mudar por completo toda a área em questão e que destaque é que o mesmo tem no seu próprio país? Quase zero. No entanto algumas notícias dos telejornais das televisões nacionais são sobre assuntos tão importantes e vitais para a nossa existência como os incêndios na Bósnia ou o peso estranhamente elevado de um recém-nascido em Espanha. Faz sentido não faz? Claro que não, mas há algo que faça sentido neste país?

Esta é uma notícia positiva para todas as partes envolvidas (menos para os pescadores que usam o cianeto para fazer negócios atrás de negócios e enganar os comerciantes europeus e norte-americanos, obviamente). O meio ambiente, os peixinhos, e os corais em específico, agradecem. Os compradores dos peixinhos e as suas carteiras também. E o público fica finalmente com a certeza da proveniência e da saúde dos peixes que observa a cada visita aos referidos aquários públicos. Em tempos tão marcados pela negatividade e pelas más notícias esta deveria de ser uma tábua de esperança a que as televisões e jornais se deviam de agarrar afincadamente. Contudo, a estratégia seguida foi quase a oposta.

É triste constatar que foi preciso um jornal inglês divulgar a notícia e a maior rede de aquários públicos contratar os serviços desta equipa de cientistas para que a mesma tivesse o mínimo dos impactos em Portugal. A nossa primeira prioridade deveria de ser dar projecção ao que temos de melhor e á excelência dos nossos profissionais e não o oposto…

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
Visite o blog do autor: aqui