A importância de uma linguagem comum – Mara Tomé

Foi uma das coisas em que, felizmente e com algum esforço, sempre tentámos fazer para que as piolhas entendam que não há diferenças entre o que faz o terapeuta da fala ou a educadora ou a mãe e o pai. Ou seja, tentamos basear-nos por uma linha condutora comum às estratégias utilizadas por todos e dou um exemplo simples: uma ordem ou pedido ganha mais em eficácia e ajuda mais as piolhas se o indicarmos à altura dos olhos delas, olhando sempre para os olhos delas e pedindo-lhes que olhem para nós. Se o terapeuta o faz, convém que todos o façamos de igual modo para que o resultado  seja unânime.

Quando, há uns meses, recebi um contacto de uma psicóloga (Dra Marta que tem um projeto que tem vindo a desenvolver: Criar a Cores – Autismo Criar a cores,  e que divulga os eventos (workshops, encontros, …), que se encontram em desenvolvimento – no facebook) , achei que eu não teria nada a dizer a quem é técnico e trabalha com crianças dentro do espectro do autismo. Eu sou apenas a mãe e, apesar de, ao longo do meu percurso profissional já ter trabalhado com crianças com necessidades especiais, o meu grande contacto com o autismo tem sido no papel de mãe e muito pouco no de profissional. Não sabia o que dizer àquela psicóloga mas, ainda assim, combinámos uma reunião informal e lá nos encontrámos.

O grande objetivo que acabou por se materializar naquele café tomado durante umas boas duas horas foi apenas e somente a partilha, de parte a parte. Ambas acreditamos que, apesar do longo caminho que ainda temos pela frente, que trabalhar as consciências/ sensibilidades dos educadores/professores e orientar os pais, pode fazer a diferença ao nível da intervenção no futuro e só nesse nível é que poderemos realizar, ainda que com uma metodologia comum por base, novos conceitos intervencionais.

Não imaginam o sofrimento e o peso que um pai ou uma mãe sentem quando as coisas não são ditas ou são apenas mencionadas entre dentes, como se os pais, que sempre conviveram com um filho diferente das outras crianças, sabem que há ali algo que não está bem. E por que não chamar os bois pelos nomes? E por que não providenciar ajuda para esses pais que acabam de receber (e, às vezes, muitos nem recebem) a notícia de que o filho tem autismo ou paralesia ou rett ou down ou outra doença/patologia/síndroma? E por que não tratar os pais como parte integrante de todo o trabalho que terá que ser realizado em prol dessa(s) criança(s)?

Well, bottom line here, o que quero mesmo dizer é que, mesmo com a tremenda sorte que vamos tendo no meio desta tempestade que nos apanhou, de vez em quando, ainda apanhamos família que se recusa – ao fim de quase 3 anos – a aceitar que as piolhas têm uma deficiência intelectual/neurológica/que são autistas o que implica nem sequer ligarem peva ao que informamos sobre o que é feito nas terapias e nos apoios da intervenção precoce e muito menos aplicar essas mesmas informações; “hahmigos” que não entendem o porquê de nos recusarmos a sair com eles ou a aceitar convites para irmos a casa deles jantar ou afins porque, afinal, nós pais é que temos a mania de ter crianças diferentes; alguns médicos, que, apesar da sua formação superior e internatos, nos tratam como se viéssemos da parvónia e não soubessemos o que é a vida e acham que falar em código fica sempre bem.

Ter uma equipa de apoio aos nossos filhos já nos tira uma tonelada de preocupações dos ombros. Custa assim tanto?

 

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4