A infância é uma farsa – Bruno Neves

Toda a nossa infância é (ou foi, neste caso) uma farsa, baseada em mentiras atrás de mentiras. A paleta de cores com que ilustramos a vida é demasiado colorida quando apenas o branco e o negro chegavam perfeitamente. A leitura deste texto não é aconselhável a crianças ou adolescentes nem a pessoas impressionáveis ou demasiado saudosistas.

Passamos a infância a contar histórias de contos de fadas às crianças quando temos a noção de que tudo isso é mentira. Tudo é mentira. Tudo. Não existem príncipes nem princesas. Não existem “bons” e “maus”, mas apenas “maus” e em cada vez maior número. Não existe o chamado “amor eterno” (alias eu até questiono se nos dias de hoje existe amor quanto mais o amor eterno). Nem todas as histórias têm um final feliz porque em muitos dos casos é o “mal” e as “más pessoas” que vencem.

Desejamos o melhor para as crianças que nos rodeiam e como tal poupamos as mentes inocentes á dureza da vida, às dores e ao sofrimento a que nós, adultos, somos sujeitos dia após dia. Contudo esquecemo-nos de lhes dizer que é assim que será toda a sua vida: a sofrer, a penar, a enfrentar obstáculos atrás de obstáculos sem tempo para paragens ou pausas. A nossa intenção é a melhor, isso todos nós o sabemos. Contudo apenas estamos a adiar o inevitável. E quando o choque acontece não é nada meigo: é um choque em cadeia, na autêntica auto-estrada que é a vida.

Que todos nós queremos sempre aquilo que não temos já é sabido. Mas a infância é o exemplo perfeito disso mesmo: andamos anos a fios a rezar para que o tempo passe depressa para sermos adultos e podermos fazer tudo aquilo que os adultos fazem. Contudo, assim que lá (cá) chegamos percebemos que afinal estávamos bem era lá atrás, na infância e com a inocência de outrora. Se nos dissessem que ser adulto é assim não queríamos cá ter chegado não era?

O tempo parece que passa mais devagar quando somos pequenos. Uma tarde de brincadeira pode facilmente ser confundida com todo um ano lectivo. Temos tanto tempo livre, mas tantooo tempo livre que não raras vezes pensamos: “mas será que nunca mais sou adulto para ter sempre algo que fazer em vez de ter todo este tempo livre que não sei como ocupar?”. Já quando crescemos e chegamos a esta interminável saga cinematográfica que é a vida constatamos que queremos ter tempo livre e não o conseguimos pois a nossa vida não o permite.

Chegamos mesmo, imagine-se bem, a ansiar por responsabilidades e por ser adulto e independente. Algo que obviamente não faz sentido, percebemos nós mais tarde, dado que de responsabilidades andamos nós fartos. Mas na cabeça dos jovens inocentes com ânsia de crescer isso não entra por nada deste mundo.

Se este foi um texto pessimista? Talvez. Mas apenas mudarei de opinião quando me provarem o contrário. Quando alguém descobrir o amor eterno que me avise (seja por carta, Twitter ou Facebook, no jogo do amor vale tudo). Se encontrar um “príncipe” ou uma “princesa” montada num cavalo branco tire uma fotografia e poste na página de Facebook do Mais Opinião porque todos nós queremos ver isso. E se por acaso se deparar com uma criança que aprecie o presente sem ansiar pelo futuro tal como descrito neste texto então contacte o Livro dos Recordes do Guiness porque deve de ser única no mundo.

Para terminar deixo-vos um conselho: deixem para trás a adolescência mas mantenham sempre a inocência da infância convosco.

 

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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