A Maria é puta

A Maria é puta. A Maria tinha 35 anos quando, após meses sobre meses de dúvidas e lágrimas, percebeu que não era uma mulher feliz, que o seu casamento era uma representação patética de contentamento. Os seus dois filhos, de 8 e 12 anos, eram o pilar que ainda sustentava a relação apática e enfadonha.

Maria ganhou coragem e pediu o divórcio. Quem pensou ela que era para colocar a sua vontade acima do casamento? Grande puta. Como pôde ser tão egoísta para pensar na sua felicidade e causar tanto sofrimento ao pai dos seus filhos? Um homem trabalhador e honesto, um pai tão presente e paciente, coitado, não merecia. Puta.

Maria teve ainda mais coragem e determinou que as crianças ficariam a viver com o pai, para que elas tivessem uma rotina e não fossem prejudicadas no seu dia-a-dia tão bem orientado até então. Puta, que tipo de mãe era esta que despachou as crianças para o pai? Assim é fácil! Maria combinou a guarda com o ex. marido, iria buscar as crianças sempre que quisesse e pudesse, para ajudar na sua educação foi estipulada legalmente a pensão de alimentos: 75 euros por cada uma, Maria iria despender 150 euros do seu ordenado para que o pai educasse os seus dois filhos. Que puta!

Maria saiu de casa, comprada ainda antes de casarem, com promessa de um “felizes para sempre” que não se concretizou, alugou um apartamento no centro, longe do lar que também foi seu e que agora pertencia aos filhos e ao ex. marido. Uma puta é o que ela era, sair de casa desvairada, terminar assim um casamento feliz…Maria ficou com o automóvel deixando cão e gato para trás. “Puta e esperta”, disseram.

Maria começou a sair à noite, a beber uns copos, a usar saias curtas e blusas decotadas, a usar aplicações para encontros, fez novos amigos e já não saia de casa sem o seu batom vermelho que lhe completava o look estrondosamente bem. Foi para isto que esta puta se separou, para andar na boa vida enquanto o ex. marido está em casa sozinho a educar duas crianças. Andava na rua quase despida, gostava de chamar a atenção, além de puta era porca, qualquer dia acontece-lhe alguma e vai ser bem feito, a andar assim vestida está a pedi-las, puta convencida.

O tempo passou, inerente a qualquer ser humano, Maria conheceu alguém e apaixonou-se. Era uma mulher livre, independente e divertida, fazia todo o sentido partilhar a sua vida com um homem. “Esta puta, divorciou-se há uns dias e já está com outro, eu já suspeitava que havia outro no meio disto”. Com toda a bravura que lhe era característica, Maria apresentou o companheiro aos filhos, um momento especial de ternura, aceitação e companheirismo, a mãe também é mulher, disse Maria aos filhos. Que espécie de mãe é esta que lhes faz isto? Puta de merda. Eles já têm um pai, não precisam de outro.

Maria sentiu-se novamente feliz. A puta.

Maria é mulher, se fosse homem vocês achariam o mesmo?

“ A questão de género é importante em todo o mundo. É importante que comecemos a sonhar e a planear um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos de criar as nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos de criar os nossos filhos de uma maneira diferente.”

Chimamanda Ngozi Adichie