A minha avó – Sandra Castro

Gosto da minha avó. Gosto muito. A minha avó chamava-se Maria do Céu. Eu ainda não tinha três anos quando ela faleceu.

É espantoso a forma como o nosso cérebro trabalha, conseguindo recuar anos e anos no tempo, deixando-nos belas memórias. O meu cérebro consegue recuar até aos meus dois anos de idade. Quando eu tinha dois anos ia comprar pêras com a minha avó. Iamos por uma rua sem saida, batiamos à porta de uma senhora e a minha avó trazia uma saca com pêras, ela dava-me uma para eu comer…nunca mais comi uma pêra que me soubesse tão bem como aquela!

Recordo-me também que dormia com os meus avós, no meio deles. Nós éramos muito pobres, dormiamos todos numa sala em sofás-cama. Estas são as duas únicas memórias que tenho dela.

Não sei muito sobre a minha avó, as familias tem um género de protocolo familiar em que existem segredos que nunca serão revelados. Sei que teve seis filhas (ironia do destino eu tive dois meninos), duas faleceram ainda bebés. Era muito trabalhadora   (qualidade que herdei dela) e muito boa cozinheira. Foi ela que ficou a cuidar de mim desde os meus 7 dias de vida (porque a minha mãe teve de trabalhar logo após o parto), era ela que ligava desesperada para o meu pai a dizer que eu estava a respirar mal por causa dos meus ataques de asma. Tinha um olhar triste, tal e qual como eu. Morreu com 45 anos, muito nova, cedo demais, sei que desistiu da vida, provavelmente seriam muitos os problemas que se vivia naquela altura. Também sei que o seu último desejo, minutos antes de falecer, foi ver a sua netinha (o seu desejo não foi concedido).

Gostava que ela conhecesse os meus filhos, os seus bisnetos. Eles perdem uma riqueza familiar imensa por não terem tido oportunidade de conhecer os bisavós. Gostava de dar um abraço e um xi à minha avó, e de ter conversas sábias e prazerosas com ela. Gostava de comer a comida dela. Gostava que ela me ensinasse a cozinhar.Gostava que ela me dissesse que eu sou boa mãe. Seria tão bom ouvir a minha avó dizer-me isso, seria feliz nesse momento.

Falo muitas vezes com ela. – Então avó, que tal me estou a sair nesta vida? Eu sei, só eu e tu sabemos, avó.

Morreu com 45 anos, muito nova, cedo demais…sei que desistiu da vida.

Hoje está um lindo dia de sol…se me dão licença, eu vou enxaguar as lágrimas e respirar fundo. Vou buscar os meus filhotes às escolas e vou passear com  eles…porque eu quero aproveitar a vida, porque eu não quero desistir.

 

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense