A minha doce vingança…

Os cafés estão fechados. Os postos de combustível não podem vender certos produtos aos seus clientes. O povo desespera por aquilo que era, de facto, tão simples de obter: um café, um cimbalino ou, simplesmente, um expresso. A simplicidade do acto de se entrar num café, dirigir-se ao balcão e disparar a autoritária — mas respeitosa — ordem “Um café, ó fáchavor!”, extinguiu-se com mais este confinamento. Todos os dias, tenho amigos a interrogarem-me se sei onde raio podem beber um simples café, mas um café em condições, não aquela porcaria de cápsulas que virou moda neste século. Querem um café que, a maioria das vezes de uma forma psicológica, os acorde, os faça sentirem-se despertos para a loucura do dia-a-dia que, todos os dias da semana têm de enfrentar. E apesar de eu saber que isso os fará sentirem-se revoltados para com o mundo em geral — mas mais propriamente com a minha pessoa — eu retruco sempre com um “Olha, podes sempre ir lá beber café a casa…” porque, orgulhosamente, possuo em minha residência uma máquina de café de moer grão e que, para meu gáudio pessoal, faz-me sentir uma espécie de pessoa que possui algo extramente valioso nos tempos que correm. Claro que, a seguir à oferta de lá irem a casa beber um cafezinho moído directamente do grão, lanço a machadada final: “Ah, esquece… estamos em confinamento, não posso receber ninguém em casa…”

Assim como o petróleo, o café é uma espécie de sinónimo de riqueza. Em Portugal, em média, consome-se cerca de 4,7 quilos de café por ano. Ainda assim, estamos um pouco distantes do resto da Europa, que ronda os 6,4 quilos por ano. O café pode ser já considerado como um bem essencial pela classe operária, menos pela classe política, aparentemente. Sendo assim, é inevitável que recorra a minha veia de anarquista (uma veia muito pequenina e muito estreita que quase não tem a capacidade de suportar a passagem de sangue, mas ainda assim uma veia…) para fazer uma espécie de inveja ou mesmo uma doce vendeta. A todos os meus amigos que levam um ano inteiro a vangloriarem-se de que adquiriram um novo iPhone que custou 1200 euros, que compraram um novo carro que custou mais que a própria casa onde vivem, a todos esses eu só tenho a agradecer o facto de me terem massacrado durante anos, pois agora é a minha vez de retaliar, de usar uma simples máquina de café — que mói o grãozinho de café com uma pinta do camandro — para ostentar uma riqueza fora do comum, colocando em grupos de amigos de WhatsApp ou de Facebook, fotos de mim a beber um belo café, na pacatez do meu lar, acompanhadas com a seguinte frase: “Meus amigos, em tempo de pandemia, quem tem café de grão em casa é rei…”

Curiosamente, parece que estou a perder muitas amizades. Mas tenho ainda muito stock de café em grão. Portanto, está tudo bem…