A minha vida dava uma crónica – Amo-me

É mais forte do que eu…o amor que sinto por mim é algo de inexplicável. Não foi amor á primeira vista confesso: No inicio era-me completamente indiferente, acho que nem me apercebia que existia. Pouco a pouco, e porque o destino tem destas coisas, comecei a cruzar me comigo a todo o instante, mas mesmo assim estava mais preocupado em dar uns chutos numa bola do que em disponibilizar-me para iniciar o meu despertar para essas coisas do amor. A verdade é que não consigo dizer o dia, nem sequer o mês e temo que nem o ano que comecei a gostar tanto de mim…É uma falha imperdoável para alguém que gosta tanto como eu gosto? Sem dúvida. Mas que isso não ponha em causa este amor do tamanho do universo, porque havendo falta de uma data comemorativa celebro diariamente o dia em que despontou essa minha obsessão por mim.
Aquilo que me começou a chamar a atenção foram os olhares sempre correspondidos, parece que estou a exagerar, mas sempre que me vi nos olhos, estes retribuíram o olhar.
“Tem a mania…”, “convencido…”, pensem o que quiserem, provavelmente eu pensaria o mesmo.
Todas as minhas relações foram avante, muito graças á obra de amigos comuns, e apesar de desta vez não faltarem amigos comuns, arrisco a dizer inclusive que não tenho tantos amigos comuns com mais ninguém, a verdade é que me conheci sem ajudas.
Como eu já desconfiava notei desde o principio que a vontade de conhecer era reciproca e apesar do receio que temos sempre, “mesmo quando tal parece quase impossível” de o amor não ser correspondido a verdade é que não tinha ainda acabado de dizer boa noite e já me era retribuído o cumprimento quase na totalidade.
Que felicidade que senti…
Fazíamos tudo juntos, e quando digo tudo era mesmo tudo, por mais íntima que fosse a situação eu lá estava á acompanhar-me e sem ter nunca a vontade de estar mais sozinho.
Percebi que é isto que define um verdadeiro amor…querer estar a todo o tempo com a pessoa de quem gostamos, seja no verdejante campo onde o pólen esvoaça pelo matagal cuidado e sereno ao som de um qualquer tema de “Musica no coração”, seja na casa de banho, na mais intima das actividades. Eu estou sempre comigo e não vejo que a minha vida possa ser de outra maneira.
Temos gostos demasiado parecidos, o que por vezes constitui um problema mas pelo menos estamos constantemente de acordo: Apetece me ir ao cinema e vamos, apetece a um de nós ir ao teatro ninguém contesta, apetece-nos ficar a dormir até tarde não há quem nos acorde, é uma adorável sintonia.
Não digo que o amor entre nós seja constante, claro que sofre oscilações, tem dias em que não gosto do que vejo, dias em que tomo atitudes que não devo, arrependendo-me quase de seguida, mas ao contrario de muitos casais, eu perdoo-me sempre e nunca conseguirei acabar comigo nem deixar de dar uma segunda oportunidade, uma terceira, uma quarta, o que tiver de ser a mim mesmo.
Ás vezes aparecem pessoas que se metem na nossa relação e isso torna-nos ainda mais fortes pois quando isso acontece ainda gosto mais de mim. De facto é complicado explicar este amor que não apenas é condescendente com tal promiscuidade como esta ainda fortalece o nosso elo.
Confesso que nas mais loucas noites da minha vida, além de mim e do meu amor próprio estiveram mulheres de quem também gostamos e que nunca se importaram de partilhar a cama connosco.
Tive sempre a sorte de ter parceiras bastante liberais nesse campo.
Numa era em que todas as minorias reivindicam os seus direitos nós não abdicamos de lutar contra todas as discriminações que somos alvo. Os olhares reprovadores são uma constante e se no início foi complicado e nunca assumi esta relação, a vontade de gritar ao mundo o quanto me amo falou mais alto.
Casamento entre mim e eu próprio sempre foi o objectivo supremo, e só no dia que for possível eu andar com duas alianças poderei dizer que venci esta batalha. No entanto, mais uma vez a igreja Católica não surpreende e demonstra todo o seu conservadorismo ao negar a minha pretensão.
Argumentam que tal cerimónia não passaria de um acto simulado de um casamento com cariz homossexual de um homem com ele próprio, pelo que continuarei a viver em união de facto comigo até as mentalidades mudarem.
Mesmo que nunca chegue a consumar o meu casamento religioso, oficializando toda esta paixão, tenho a certeza que a minha vida termina no dia em que eu morrer, pois não conseguirei andar por este mundo sem mim, tamanho é o amor que sinto.

Crónica de João Pinto Costa
A minha vida dava uma crónica