A miúda que conheci no metro – Sandra Castro

Existem pequenos acontecimentos nas nossas vidas que nos deixam a pensar em que ponto da vida nós estamos. Eu pertenço à minoria que dá extrema importância aos pequenos momentos. Nada é descartado pelo universo, as pessoas que conhecemos a vida toda, as pessoas que conhecemos por meros instantes, o passarinho que voa perto de nós naquele dia especifico, a musica que ouvimos quando nos lembramos daquela pessoa especial, nada acontece por acaso, e somos responsáveis pelas nossas escolhas. E por esse motivo tenho que vos contar esta historia.

Era um domingo ameno, tinha ido ao cinema com os putos e esperava impacientemente pelo metro.

– Quantos anos o seu filho tem?

– Dois anos e meio.

– Você parece tão nova!

– Achas? Já tenho 28 anos.

– Oh, a sério? Dava-lhe 21, 22 anos.

– (Rio-me) Ui, aonde eles já vão. E tu, quantos tens?

– 18 anos.

18 anos! Aproveita  a vida, curtires muito, 18 anos é para isso mesmo. Tens filhos?

– Não. Perguntei-lhe que idade tinha o seu filho, porque a minha irmã tem sete meses, sou eu que tomo conta dela, porque a minha mãe morreu na hora do parto…tem sido difícil.

– A tua mãe faleceu no parto? E a bebé quem toma conta?

–  Quem toma conta da minha irmã é o meu pai. O meu padrasto ( pai da bebé ) quando tudo isto aconteceu fugiu da situação, não quis saber de nada.

Os médicos disseram que só podia sobreviver uma das duas, a minha mãe ou a bebé, e ela preferiu morrer e deixar a minha irmã viver. Foi uma gravidez muito difícil, nasceu antes do tempo. Tem sido difícil. Eu agora tenho dois empregos, a casa da minha mãe ficou para mim e quando chego à noite do trabalho fico com a minha irmã.

(faço uma pausa para assimilar tudo o que ouvi, mas sobretudo para olhar nos olhos desta miúda e não ver uma lágrima, um único suspirar, nada, absolutamente nada. Posso ter experiência zero em psicologia, mas concluo que não é uma atitude normal perante a morte duma mãe nas circunstancias que foi).

– Como se chama a tua irmã?

– Alice.

– Agora namoro, ainda não se passou nada, ele gosta muito de mim, somos os melhores amigos há cinco anos. Ele pediu-me em namoro e eu…aceitei.

-Há quanto tempo namoras?

Há uma semana…

-Ah, ok..hum…ainda é pouco tempo, se gostas dele e ele de ti, e vocês dão-se bem, tudo bem.

– Ele é mais velho e tem barba. Eu gosto de homens com barba e mais velhos.

– (Sorrio) eu também sou assim, gosto deles mais velhos e com barba. Quantos anos o teu namorado tem?

– 20 anos.

– Bem, eu namoro há onze anos e vou casar daqui a duas semanas. 

– Ei, tanto tempo.

 – Pois é…

 – Ele tem ciumes do meu trabalho, trabalho num café e vão lá clientes, eu tenho de ser simpática com eles, estou a trabalhar não é? Mas ele tem ciumes.

– Tens que lhe explicar que não pode ter ciumes, que é o teu trabalho.

Chega o metro.

 – Quer ficar com o meu numero? Como se chama?

– Claro que sim. Sou a Sandra. Da-me o teu numero então.

E quando dou por mim, estava a aconselhar uma chavala de 18 anos (que me tratou por você)  a curtir a vida. Em que parte da minha vida é que me perdi? Chiça pá, 28 anos, dois filhos, um casamento de uma década, um trabalho da treta, estudos por acabar, casa por terminar, tantos objectivos de merda ainda por cumprir.

Numa sociedade em que o facebook e os telemóveis imperam, através do primeiro, pessoas que nem conhecemos, ou pior, que não gostamos, conseguem saber como estamos, aonde estamos, com quem estamos e o que sentimos. Vêem fotos do nosso amor, dos nossos filhos, das nossas ferias. Andamos sempre com os cornos enfiados nas sms, nos likes, nas fotos das vizinhas que não passamos cartão na rua, tão concentrados em tudo o que não é importante, que nos esquecemos de olhar para o lado, de olhar nos olhos de quem se senta ao nosso lado no autocarro, de sorrir para quem está ao nosso lado nas paragens, de conversar com quem se senta ao nosso lado no metro. Socializar, porra, que foi feito desta palavra?

E quando se abre a boca para criticar os jovens desta geração, que são irresponsáveis, espalhafatosos, fúteis, imaturos e sem futuro, não se esqueçam de jovens como a Ana, exemplos perfeitos de como a vida muda em dois segundos e ficamos com uma responsabilidade enorme em cima dos ombros, uma responsabilidade que não devia ser nossa, que nos tira o brilho dos olhos.

Sim, chama-se Ana, a miúda de 18 anos que conheci no metro.

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense