A Morte da Bezerra – Amílcar Monteiro

A todos os meus amigos e conhecidos:

Venho por este meio fazer-vos um pedido: por favor, párem de me perguntar se estou a pensar na “morte da bezerra”. Não sei se já repararam mas eu nunca respondi afirmativamente a essa pergunta. Sabem porquê? Porque nunca, durante toda a minha vida, uma bezerra entrou em nenhum dos meus pensamentos. Já entraram outros animais como galinhas, coelhos ou ornitorrincos – confesso que, uma vez, até tive um pensamento menos próprio envolvendo uma burra – mas juro que nunca pensei numa bezerra.

A única vez que vi bezerros foi quando tinha nove anos e fui à terra da minha avó. Como não tinha a certeza se eram todos bezerros ou se, entre eles, existia uma bezerra, telefonei para a velhota e perguntei-lhe. Ela confirmou-me que eram todos bezerros. Assim, fica claro que não só nunca vi uma bezerra, como também não saberia sequer distingui-la de um bezerro. Ou seja, mesmo que quisesse muito pensar numa bezerra, não saberia como fazê-lo.

Mas imaginando que, por algum estranho motivo que não consigo conceber, eu tivesse realmente pensado numa bezerra, porque haveria logo de ser na sua morte? Creio que a pensar numa novilha, mais depressa a imaginaria a mamar nas tetas da sua mãe ou a dar os primeiros passos num lindo campo verdejante. Estou mesmo convicto que, no toca a pensamentos sobre vitelas, o de imaginar uma a soltar o seu último fôlego viria em último lugar. Portanto, das duas, uma: ou vocês têm uma tara qualquer com a morte de pequenos animais (um dos primeiros sinais de psicopatia), ou então têm uma imagem bastante mórbida de mim.

Agora que penso nisso, reparo que vocês me perguntam sempre se estou a pensar na morte da bezerra e não na morte de uma bezerra, o que me leva a crer que se estão a referir a um caso específico. E para estarem sempre a falar disso só pode ter sido uma morte misteriosa, talvez um assassínio macabro que está ainda por resolver. Pois bem, se com esta pergunta recorrente estão a tentar perceber se eu estive envolvido no assassínio, deixem-me então assegurar-vos que estou completamente inocente. Já matei aranhas, baratas e formigas mas, garanto-vos, não fui eu que matei a bezerra em questão, nem faço a mínima ideia de quem o fez.

Creio ter sido bem claro quanto a tudo isto e espero, sinceramente, que párem de me fazer esta pergunta. No entanto, e apesar de o considerar obsessivo e doentio, não vos quero privar deste vosso interesse. Como tal, deixo-vos com uma lista de pessoas habituadas a pensar em bezerras e que, por isso, poderão ser mais receptivas à vossa “pergunta-fetiche”:

  • Veterinários;
  • Pastores;
  • Assunção Cristas;
  • Trabalhadores de matadouros;
  • Forcados (iniciados);
  • Activistas dos direitos dos animais;
  • Investigadores e/ou estudiosos de Bovinologia;
  • Pessoas que sofrem de Pedozoofilia.

Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia 

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