A Poesia de Rua – Foco de Lente

Lembro-me de ser muito pequena e escrever poemas para os meus pais nos seus respectivos feriados, por ordem da escola primária. Eram umas desculpas patéticas de quem não sabia ainda muito bem articular frases de uma maneira inteligente e cativante.

M, de muito bonita,
A, de adoro-te,
E, de especial.

Na altura dos meus seis anos, suponho que fizesse todo o sentido e a minha mãe deve ter sentido um orgulho que nunca mais acabou. Mas isso era quando eu tinha seis anos e nenhuma educação no que toca à poesia. Não sabia pevas de harmonia silábica, versos, rimas fortes e fracas, estrofes e abstraccionismo literário. Pensava portanto, na minha vasta inocência, que poesia consistia basicamente de frases separadas por linhas e um desapego pelas regras de pontuação.

Pensava que se quebrasse um verso
Desta maneira
Igualaria a um suspiro pausado,
Não percebendo que só me faz parecer
Uma coquete
Que tropeçou a descer as escadas.

Entretanto cresci e tive aulas de Língua Portuguesa, onde se ensinam os menos pequenos quem foi Fernando Pessoa, lêem “Os Lusíadas” e aprendem a decifrar as mensagens abstractas que certas obras poéticas carregam em si. Aí fiquei maravilhada com a maneira como os poetas esticavam a nossa língua tão bonita e dançavam com ela, criando rodopios de sensações e imagens em linhas vagas e carentes. Aprendi a escrever poemas e fui tentando polir a minha capacidade de compor sentimentos com palavras. Achava que poesia era uma arte sensual que só alguns conseguiam dominar.

Agora, toda a gente e as suas mãezinhas sabem escrever poesia. Como pessoa dedicada às artes literárias que sou, esta nova moda de “poesia excêntrica” anda-me a meter bastante asco. Agora e cada vez mais, todas as alminhas santas que por aí vagueiam acham que conseguem publicar livros de poemas porque alguém lhes partiu o coração e portanto usam palavras como “sangue” e “lágrimas” aqui e acolá. Fazem dos versos escravos, usam vírgulas como se o mundo estivesse para acabar e esgotam todos os stocks de reticências (as malfadadas reticências!) que possam haver. Porque quem percebe disto sabe que as reticências são super profundas.

Já não há mais espaço para as metáforas e a elegância que é um poema abstracto. Abram alas, todos vocês, para os versos literais e as choraminguices de adolescentes mimadas que deram um beijinho no recreio e viram o menino a partilhar um pacote de batatas fritas com outra. Desenganem-se aqueles que acham que o tema de triângulos amorosos não tem lugar na poesia, e cuidem-se os que gostam de rimas! Rimar é tão oh-nine. O que está a dar agora é o sufoco de poesia de rua que não rima porque alguém descobriu que existe poesia de verso livre ou verso branco, e portanto podem escrever assim sim senhora e é poesia na mesma. E o que vos tenho a dizer, caros pseudo-poetas, é isto:

A minha poesia de seis anos infantis é igual à vossa poesia de quinze, ou dezasseis, ou se forem almas mesmo infelizes, dezassete anos de vida. Se isto não vos diz nada, talvez se devessem dedicar aos graffitis de parede… Deixem a poesia para quem a entende.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente