A Rua Augusta pode ser bastante assustadora…

A Rua Augusta é uma das mais conhecidas ruas da capital. Conhecida por se situar geograficamente no centro da baixa lisboeta, ligando a Praça do Comércio ao Rossio através de…

“Ah, mas isto não era para ser uma crónica de humor?”, interrompe o caro leitor.

“Era, não! É uma crónica de humor!”, responde a besta que está a escrever esta crónica, completamente armado ao pingarelho.

“Ah, está bem… Então se é para ser uma crónica de humor, hum, então cadê o suposto humor? É que isto parece mais um episódio de um programa do Fernando Pessa, em que ele desbrava Portugal afora, empregando a célebre expressão ‘E esta, hein?!’”, retruca o caro leitor.

“E se o leitor levantasse o rabo da cadeira, vestisse umas calças para não ir em cuecas para a rua, e fosse até à esquina ver se eu estou lá?”, ruge a besta que, só por mero acaso, também é o autor desta crónica.

Bom, despachado que está este leitor, concentremo-nos então nos restantes leitores que estão a ler esta crónica, e que se estão a rir que nem uns perdidos — porque, lá está: dizem por aí que isto é uma crónica de humor (e isso deve bastar para colocar os leitores a rir, certo? Hum…).

Na rua Augusta, pode-se encontrar uma enorme variedade de culturas, dado que muitas pessoas optam por a preencher com as suas pequena bancas de vendas de variadíssimos artefactos artesanais. E, por essa mesma razão, na Rua Augusta, pode-se encontrar todo o tipo de pessoas. Até certos amigos que, por mais incrível que pareça, nunca tivemos conhecimento da sua existência até nos atrevermos a passear por esta mítica rua da baixa lisboeta e esbarrarmos de caras com eles. Ou… no meu caso, eles esbarrarem comigo…

Um dia destes, caminhava pela Rua Augusta, e, mais ou menos a meio da rua, alguém esbarrou de uma forma violenta na minha pessoa. A minha primeira reacção foi tentar ser o mais educado possível, pedindo imediatamente desculpa — apesar de não ter sido eu a esbarrar-me na pessoa em questão, mas sim o oposto. E, no momento eu que abro a boca para proferir a educada palavra “desculpe-me!”, sou imediatamente interrompido pelos berros que a pessoa que tinha esbarrado em mim, achou por bem disparar a escassos centímetros da minha face.

Após limpar os olhos de forma bastante veemente — porque fiquei imediatamente com a visão desfocada após ser atingido com uma quantidade insana de perdigotos descontrolados — lá consegui ver a pessoa que tinha esbarrado em mim. Tratava-se de um individuo na casa dos trinta e poucos anos, de óculos de sol da loja do chinês, e com um gorro preto com o símbolo do Che Guevara virado para a esquerda. Após três prolongadas inspirações seguidas de três breves expirações, lá consegui descortinar as palavras que o homem gritava para mim, ao mesmo tempo que partilhava o seu sorriso amarelo comigo e com todos os seres que abundavam a Rua Augusta naquele momento.

O homem estava eufórico — como se tivesse acabado de tomar conhecimento que tinha ganho o Euromilhões —  e gritava bem alto: “Ena, há quanto tempo! O que é feito de ti, rapaz? Nunca mais soube nada de ti! Então o que tens feito? Já casaste? Já tens filhos? Já deves ter, porque já vislumbro aí dois ou três cabelinhos brancos nessa cabeça!”

Antes que eu pudesse responder, ele decidiu — num movimento brusco! — abraçar-me, ao mesmo tempo que me aplicava algumas palmadinhas nas costas. Eu não tinha palavras para dizer. Fiquei ali, por uns prolongados segundos, a olhar para ele e sem saber o que fazer. Nunca tinha visto aquela cara na minha vida. Mas, subitamente, as palavras encontraram a porta de saída do meu corpo, e dei por mim a proferir: “Hum… Desculpe, deve estar a confundir-me com outra pessoa!”

Mas ele rematou prontamente: “Ah, não sejas parvo, pá! Sempre foste um engraçadolas de primeira! Há que tempos que não punha a vista em ti, pá! G’anda maluco! Eh, eh!”

A forma vigorosa como ele falava comigo — como se me conhecesse há séculos — deixou-me na dúvida. Por momentos dei por mim a interrogar se, de facto, não conhecia mesmo aquele homem que estava ali, em plena Rua Augusta, a partilhar abraços e o seu sorriso amarelo comigo. Deixei-me levar pela incapacidade nata que tenho em memorizar rostos, e aceitei que talvez até conhecesse aquele indivíduo. As pessoas que passavam por nós olhavam de uma forma suspeita, achando estranho todo aquele alarido que o homem estava a fazer em relação à minha pessoa, mas rapidamente afastavam o olhar, confirmando que, efectivamente, estávamos numa das ruas de Lisboa onde as coisas mais estranhas podem realmente acontecer. E, de repente, dei por mim a responder às perguntas dele: “Não, pá. Ainda não me casei!”; “Não, ainda não tenho filhos!”; “Os cabelos brancos é da velhice, pá!”

Logo após eu responder às perguntas dele, o individuo muda completamente a expressão facial, olha de uma forma psicótica para a esquerda e direita, e diz: “Men, tenho tudo o que quiseres! Erva, coca, tudo! É só pedires! E é tudo material de qualidade! Podes confiar! E barato! Uma pechincha! Se eu fosse a ti aproveitava, que eu estou de bom-humor!”

Subitamente, uma sensação de profunda tristeza apoderou-se rapidamente de mim. Eu já tinha interiorizado que estava na presença de um amigo de infância que já não via há séculos, e, num ápice, tudo tinha desaparecido com a mesma rapidez com que um sapo esfomeado suga uma mosca desprevenida com a sua longa língua.

Virei costas ao homem de sorriso amarelo, óculos de sol da loja do chinês e gorro do Che Guevara, e lamentei com todas as minhas forças o facto de não ter dinheiro comigo… porque, de facto, os preços que ele fazia eram, realmente, uma pechincha…

Isto é que é uma Vida de Cão, hem…