crossing the box

A solução política

Nota: qualquer similaridade que o leitor encontre entre este texto e a realidade é uma presumível coincidência.

É muito simples.

            É tão simples que ficarão espantados com a simplicidade de um argumento tão complexo e redundantemente quadrado, que ficarão quase tão pasmados como quando um escritor quebra a quarta dimensão, falando com o leitor.

            A solução é esta: eu é que sei.

            A minha opinião é melhor do que a sua. Os meus conhecimentos são maiores do que os seus. As minhas qualidades pessoais são extremamente requintadas e educadas. A minha inteligência é superior. A minha idoneidade decisória é indiscutível. A minha moral não tem falhas. E por fim, a minha arrogância é mínima, permitindo-me escutar aqueles que me rodeiam, complementando a minha, já de si excelente, capacidade de atendimento às suas necessidades.

            Não admito falhas, pois também as evito. Trabalho durante serões, incontáveis horas que me permitirão ser extremamente eficiente em qualquer tipo de situação política. Resumindo, toda a minha vida, me preparei para me tornar num líder. Em capacitar quem me rodeia para atingir os meus objetivos. Os objetivos que norteiam cuidar de um povo. É esta a solução. Reconhecer os problemas, resolvê-los. E deixar os eleitores descansados. Não precisam de participar. Eu cuido de tudo.

            Votaram em mim, aprovaram o meu programa (apesar de eu ter tido que fazer cedências…), e, agora, sou eu que acabo por ser capaz de lutar pelo contrato que, em mim, depositaram.

            Sim… Houve alguma insatisfação, algumas manifestações, e sim, eles acabaram por perder um pouco de confiança. Mas tudo está melhor! Temos que olhar em frente, afinal, recuperámos de um contexto catastrófico! Eles dizem que não gostaram mas, no fundo, no fundo… Eu sei que sim.

            E é por isso que continuarei. Lutarei. Pelo que acredito. Pelo que sempre lutei. Qual a minha luta? O bem! O bem de todos os que me rodeiam, mas, como crianças que são, nada podem fazer.

Era isto que pensava o Primeiro-Ministro português, a caminho do seu local de votação. Muita antecipação existia para estas eleições. Ele sabia que havia pegado o país numa situação extremamente complicada, com uma série de problemas sociais mas, sobretudo, económicos e financeiros. Tentou resolvê-los mas… Por muito que tenha lutado, a verdade é que ele não havia antecipado as consequências de tanta austeridade. Heroicamente, os seus cidadãos, que ele havia aprendido a respeitar, tinham continuado, sem, no entanto, aprovarem o que ele dizia. Ele sabia que iria haver contestação, só não sabia que iria ser tanta…

            Talvez… Eu tenha ido um pouco longe de mais…

Ele intentava convencer-se das suas boas intenções. De que ele era essencialmente bom, de que tinha feito o seu melhor. De que ele tinha feito a opção correta. Ele precisa, para melhorar o país, de estancar o problema da dívida. Para isso, ele sabia que tinha que fazer duas coisas: cortar no aparelho estatal e aumentar impostos. Ambas as medidas iriam empobrecer a população. Mas era por um bem maior. Só que… Ele não previu que tanta gente caísse na pobreza, que tantos morressem com fome, que tantos emigrassem, que tantos morressem nas urgências, esperando atendimento, ou que dezenas de milhares de crianças fossem com fome, todos os dias, para a escola.

E nem sequer consegui reduzir a dívida… Continuei sempre com défice… À custa dos sacrifícios de quem…

Não posso chorar.

Pensou ele, enquanto o automóvel, impecavelmente limpo, cortava as ruas da localidade, qual lâmina de samurai, parando, parando, parando… Enquanto as hienas aguardavam, lá fora.

Saiu do automóvel sorrindo, educadamente, aparentemente confiante, pensando, cuidadosamente nas suas respostas, dado que o dia de eleições é sempre extremamente trabalhoso, quer se ganhe ou perca. E ele queria ganhar. Ele apenas…

Não importava. Dirigiu-se à sua secção de voto, foi-lhe atribuído o seu boletim e dirigiu-se à sua cabina. Estava sozinho.

E pensou. Ele não imaginou que pudesse ser assim. Ele tinha trabalhado muito. Tinha-se esforçado muito. Tinha até tentado convencer que tinha feito o melhor pôde e soube. Mas… Foi nessa altura que as lágrimas que ele aprisionava desde a sua eleição de manifestaram. Ele havia achado ter uma solução política, uma resolução para tudo, para promover o Mundo que ele achava ser o melhor.

Olhou para o boletim. Sem hesitações, colocou uma cruz no quadrado destinado ao Partido do seu rival.

Expirando, colocou o voto e dirigiu-se para a luz, desejando que toda a solução política fosse tão simples como aquela.