A teoria da Refundação – Telma Henriques

Gosto de roupas e sapatos e maquilhagem e novelas e romances e risos com as amigas e gatinhos e cãozinhos pequeninos e cozinhar  e revistas cor-de-rosa e vestidos de noiva e  cheirinho de bebés e flores e perfumes  e cores pastel e coisas doces e roupinhas pequeninas e céu azul e mar salgado e calor do sol e cheiro de tília na Primavera e da Constituição da República Portuguesa.

Aguentaram até aqui sem respirar? sim? Ainda bem. Podem continuar a ler.

Tudo começou  quando aquele senhor que diz ser ministro das finanças olhou para mim de dentro de um écran  de uma televisão qualquer e disse: “Existe.aparentemente.um.enorme.desvio.entre.o.que.os.portugueses.acham.que.devem.ter. como.funções.do.Estado.e.os.impostos.que.estão.dispostos.a.pagar.”

Como quem não quer a coisa, mais tarde, veio outro senhor que diz ser primeiro ministro, e, exactamente da mesma forma afirmou querer: “refundar qualquer coisa, qualquer coisa (aqui parêntesis porque não percebi) se necessário até mexer na Constituição”.

Ora eu sou pessoa sensível. Tenho a Constituição da República Portuguesa no meu coração. Mesmo ao lado dos gatinhos.

Porque é um texto bonito. Tem ficção, romance, amizade, finais felizes, tudo o que as almas sensíveis apreciam num livro.

Até agora achava que estavam a brincar. Mesmo com aquela execução orçamental. Mesmo com o Orçamento proposto. Mesmo com o ir para além da obediência já de si, cega. Mesmo com a realidade a demonstrar-lhes a irrealidade do “modelo”. Mesmo com a “inabilidade” das comunicações e das “decisões” que depois não. Mesmo com o “assustar para depois recuar para depois anunciar algo mau mas não tão mau como o anterior”. Mesmo.

Agora não.

Chegou a altura da verdade. De mostrarem as suas “true colors”.

Confesso que quando se falava em “mudanças estruturais” e depois se subiam os impostos e se retiravam subsídios tornando tudo “constitucionalmente correcto” por serem medidas de excepção, eu me ria baixinho.

É que não eram “mudanças estruturais”. Eram cortes e aumentos de impostos e taxas “excepcionais”. Se eram “excepcionais” não podiam vigorar para sempre.

Para serem “mudanças estruturais” seria imperativo mudar o próprio paradigma:

O “Estado Social”. O Estado enquanto empregador. O Estado enquanto maior “cliente” das empresas. A Administração Central. A Administração Local.  Numa só palavrinha: TUDO.

É daqui que vem:

A Teoria da Refundação

A nossa história como país independente inicia-se com algo bastante divertido: (já perceberam que acho piada às coisas mais escabrosas, não?) Um filho a bater na mãe.

Talvez por isso o país tenha a sina (o fado) de ser (quase sempre) mal conduzido.

“Ai porque os Descobrimentos e o ouro do Brasil e as especiarias da Índia e os escravos de África”. Pois.Tudo para pagar aos credores.

Lamento retalhar assim ilusões. Fomos grandes quando quem nos conduzia sabia o que queria e por onde era o caminho (salvé D. João II). Sem isso perdemos sempre.

Como vamos perder agora.

Vamos ter de escolher e espero que nos permitam ter voz nessa escolha. Que não no-la imponham como facto consumado.

A Constituição garante-nos o direito à saúde,  à educação, à protecção na velhice, no desemprego, na maternidade. Garante-nos tratamento de igualdade. Entre novos e velhos. Homens e mulheres. Ricos e pobres.

A Constituição garante que os nossos impostos serão utilizados para que a nossa sociedade seja mais democrática.

A Democracia não consiste só em votar ou falar livremente. É mais, muito mais do que isso. É uma tentativa de tornar uma sociedade mais justa. Onde todos possamos viver com dignidade.

Todos  contribuímos  para que todos possamos ter acesso a essa “medida” de dignidade abaixo da qual não nos podemos considerar humanos.

É isto que é a tão falada “equidade”.

Tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente.

Sei que foram cometidos muitos excessos.

Sei que foram utilizados recursos que nos pertenciam a todos em benefício de meia-dúzia.

Sei que as pessoas mentem e manipulam as Leis deste Estado generoso.

Sei que muita gente consegue viver sem trabalhar graças a essas habilidades.

Sei porque vi muitas vezes isso acontecer.

Mas é meu direito escolher.

Só por isso:

Escolho para o sector público (para o qual contribuo generosamente):

Impor um tecto nas pensões. (qualquer que seja a função exercida)

Impor um tecto nos salários. (qualquer que seja a função exercida)

Proibir a acumulação de pensões e salários (se existir um salário do privado – acaba-se com a pensão do público)

Verificar como são atribuídas as diversas prestações sociais. Caso a caso.

Renegociar contratos com as  PPPs

( Vou abrir um parêntesis GRANDE.

Gostava que me conseguissem explicar duas coisinhas:

1ª – Faz algum sentido que as sociedades de advogados que “cozinharam” estes contratos – blindando-os – sejam agora chamadas para os “descozinhar”?

2ª – COMO é que não conseguem renegociar? do alto da minha sabedoria – (na verdade sou baixinha) – deixo aqui um contributo: se são contratos leoninos, são NULOS. Tá legal?  força aí! Não precisam agradecer.

Fim do parêntesis)

Ainda: Se não conseguirem renegociar os contratos com as PPPs então inventem uma “taxa” sobre as mesmas. (pode ser ridículo, admito. Mas se o dinheiro sair do Estado e reentrar no Estado sob a forma de “taxa” não vem daí mal ao mundo)

Obrigar as empresas que actuam no mercado português a pagar em Portugal os seus impostos. (as empresas que constituem o PSI20 são, quase todas, controladas por companhias sediadas fora do país – se isto não é irónico, não sei o que será)

Fazer cumprir a  Lei para as autarquias. Aquela chata que impede  estas de se endividarem  em mais dinheiro do que aquele que conseguem produzir.

Criar condições para o investimento.
Implica muita coisa? ó se implica, mas não é para ser “estrutural”?

Antes que digam que está em contradição com aquela ali de cima que diz que as empresas que actuam em Portugal devem pagar aqui os seus impostos, não está.

Basta PENSAR.

Quais as razões que levam as companhias a  sediar-se na Holanda?

Confiança no sistema Fiscal; Confiança no sistema Judicial; “Protocolos” que facilitem a entrada das empresas em países terceiros; Energia mais barata; Impostos mais baixos. Sim. Isso é compensado pelo “volume” da receita que se arrecada.

Para começar era isto.

Sem mexer na Constituição.

E com toda a Democracia.

‘Brigados.


Crónica de Telma Henriques
1001 teorias para ler antes de morrer