A teoria do risco – Telma Henriques

Portugal é um país de proprietários  urbanos.

Soa mal.

No entanto nem Monsieur de La Palisse conseguiria dizer melhor.

Durante muito anos saía mais barato comprar um casa do que ser-se arrendatário.

Ia-se ao banco.

O banco analisava a situação. Estipulava uma quantia. Dividia-a por setenta e cinco anos. Juntava juros. Mais umas cláusulas indexantes.

Et voilà!

A casinha era nossa.  Íamos comprando móveis. Cortinas. Pendurando quadros. “Aninhando-a”.

Ficávamos felizes.

Alegres proprietários a troco de uma mensalidade suportável.

No fim das contas até  “deixávamos alguma coisinha” aos filhos.

Depois deu-se a “crise”.

A mensalidade suportável tornou-se, em muito pouco tempo, insuportável.

É aqui que entra a teoria.

A teoria do risco

ou

de como nos enganaram

Uma das coisas que  mais me irritam é ouvir dizer que ” vivemos acima das nossas possibilidades e agora temos de pagar”.

É politicamente correcto dizer que se pediram empréstimos para ir de férias.

Para  comprar carros.

Para comprar roupas e sapatos.

Pour épater le burgeois.

Para espantar deus e o diabo.

Tudo isso pode não ser mentira.

Só não é a ÚNICA verdade.

A generalidade da população ( a GENERALIDADE , repito) não viveu acima das sua possibilidades.

Viveu NA JUSTA MEDIDA das mesmas.

Com a expectativa de que as “possibilidades” iriam aumentar e não diminuir.

Expectativa legitimamente enraizada no contrato social.

Que o Estado é (era) uma pessoa de bem.

Que os contratos são (eram)  vantajosos para ambas as partes.

Que a parte mais fraca  está  (estava) protegida pela Lei.

Que os bancos eram nossos “amigos”.

A mim foi o que me disseram.

Quando quis comprar casa.

Fui ao ao banco.

O banco avaliou a casa que eu estava interessada em adquirir.

O “dossier” de avaliação custou-me dinheiro.

Não me lembro exactamente da quantia.

Achei-a francamente “antipática” (“uma “roubalheira” – foi a expressão utilizada)

Repare-se:

EU PAGUEI PARA QUE A CASA QUE ME INTERESSAVA FOSSE AVALIADA.

NÃO FUI EU QUE A AVALIEI.

NEM FUI EU QUEM DECIDIU EMPRESTAR-ME DINHEIRO.

Só aceitei as condições que o banco, meu amigo, me (im)propôs.

As questões que valem um milhão de euros  surgem agora:

Se o mercado (imobiliário)  caiu, que culpa tenho eu?

A casa não vale (no mercado) tanto quanto me emprestaram, e então?

O banco ao emprestar-me o dinheiro correu o risco de eu não lhe pagar.

Por isso garantiu-se com uma hipoteca sobre o  imóvel. (uma garantia real – não há melhor)

Mais:

para “compensar” o risco do não pagamento aplicou uma taxa de juro sobre o capital emprestado.

Não chega?

Noutros Ordenamentos Jurídicos quando não se consegue pagar, entregam-se as chaves e a dívida fica saldada.

Em Portugal não é assim.

Entregamos o bem. Se este não “valer” o dinheiro que nos emprestaram continuamos a dever o restante.

Ficamos SEM o bem e COM  a dívida.

(era altura de inserir aqui um palavrão –  mas sou uma senhora)

Já o Estado ao aumentar os impostos,  retira-me o poder de cumprir as minhas obrigações para com outras entidades.

Se não cumprir com o Estado fico extremamente vulnerável.

Basta verificar que o ónus da prova se inverte em questões de Direito Fiscal. (para não falar das penhoras automáticas ou  do corte imediato de qualquer prestação social)

EU é que tenho de provar que nada devo ao Estado.

Noutras palavras: “primeiro pagas e depois reclamas. Sendo que também pagas para reclamar – só para não te armares em parva”

E o IMI?

O IMI é um imposto (giro) sobre a NOSSA propriedade.

A receita do IMI é dos Municípios (também são Estado não são é Administração Central).

Serve para as Câmaras Municipais fazerem ou pagarem  “coisas” .

Senhores Banqueiros e senhor Estado: (repararam? sublinhei as maiúsculas usadas em sinal de respeito)

Eu NÃO AVALIEI A  CASA.

Eu NÃO AVALIEI A MINHA “CAPACIDADE DE ESFORÇO”.

De boa-fé até considerava que esse “esforço”, com o tempo,  se iria “esbatendo”. Nunca equacionei a possibilidade deste ir “AUMENTANDO”. (lembram-se das expectativas acima citadas?)

Eu CONFIEI NO BANCO E NO ESTADO.

Eu NÃO CONTROLO OS MERCADOS.

PORQUE TEM O RISCO (TODO) DE CORRER POR MINHA CONTA?

Sabem que mais?
Ide-vos  para o C”##% pentear macacos!

Porque ele há coisas que uma senhora não diz em público.

AH! já me esquecia:

Quando não tiver dinheiro não pago.

Quero ver o que fazem quando todos fizermos o mesmo.

 


Crónica de Telma Henriques
1001 teorias para ler antes de morrer