A típica desumanidade portuguesa

Todos sabemos que os acidentes acontecem. Todos sabemos que as desgraças estão presentes na humanidade. Infelizmente, é algo que faz parte da vida — no pouquíssimo tempo em que estamos vivos. Ora sejam acidentes de viação ou mesmo um simples acidente caseiro envolvendo uma faca de cozinha com vida própria na hora de cortar rodelas de cebola, eles estão lá — sempre com um olho à espreita da oportunidade perfeita. Em relação a isso, estamos conversados e não há muito a fazer, senão tentarmos ao máximo evitar os acidentes com as ferramentas que temos, e que não são muitas.

Mas, existe algo que me perturba especialmente na forma como em Portugal se lida com o acidente ou desgraça. No que tenho observado nos quase 40 anos da minha existência, intriga-me a necessidade mórbida com que os portugueses encaram as ocorrências no que ao nível da desgraça diz respeito. O português é fanático por desgraça. É insaciável na busca pelo infortúnio, de tal forma que parece, por vezes, que as pessoas não possuem um coração, ou, então, no lugar do órgão que faz bombear todo o sangue do nosso corpo, existe uma pedra negra e imunda.

O português delira com o desaire, com a calamidade, com a catástrofe. O português hoje em dia é uma pessoa sádica, que é curiosa ao ponto de querer saber mais sobre a desgraça, como aconteceu, o porquê de acontecer e quais são os resultados provenientes de tal infeliz situação. E é por isso que, quando ocorre um acidente de viação, as filas que se formam não são originadas pelo acidente em si, mas sim pela necessidade insana das pessoas em quererem ver a dita cuja desgraça. E se existirem pessoas feridas, então a curiosidade acresce ainda mais, levando as pessoas a sofrerem taquicardias na ânsia de chegarem mais rapidamente ao local, de conseguirem ver todo aquele cenário dantesco e triste.

Hoje em dia, não existe respeito por nada. Nem pelas vítimas de acidentes, assassinatos ou outros mais, nem pelas famílias das mesmas. Existem grupos de WhatsApp onde as pessoas partilham as fotos macabras de pessoas acidentadas em condições miseráveis, sabendo lá Deus como é que as mesmas conseguiram deitar as mãos a algo tão macabro e que deveria ser mais contido e envolto em secretismo pelas autoridades. Nessas partilhas existe sempre um denominador comum: o prazer mórbido de se ver aquelas imagens chocantes. O que me leva a crer que, se fosse possível, 90 por cento da população portuguesa adoraria viver dentro de um filme de terror durante 24 horas por dia.

E é assim que, aos poucos e poucos, a desumanização vai tomando conta do mundo…