A tralha emocional

A semana passada fui visitar uma casa, uma casa já desabitada, mas ainda com alguns pertences da pessoa que lá morou. Louças, roupas, candeeiros, bonecos, retratos, folhas secas, mantas, toalhas, tralhas e mais tralhas que encheram a casa daquela pessoa durante os muitos anos que lá habitou. Tralha empilhada em todas as divisões, como se tivesse havido uma espécie de revista à casa nas horas que antecederam a minha visita. Tralha empilhada por todo o lado que teria de desaparecer magicamente, porque há uma urgência em alugar, vender, fazer dinheiro. Fiquei incomodada. Peguei num retrato, ela ainda jovem de braço dado ao marido no dia do seu casamento, ainda jovem, ainda feliz, fiquei incomodada.

Questionei-me: Então é isto que nós somos? Sim, é exactamente isto que nós somos! Andamos a vida toda a coleccionar coisas que não nos acrescentam absolutamente nada. Três conjuntos de pratos, louça para o Natal, louça para ocasiões especiais, talheres para o dia-a-dia, toalhas de linho, toalhas de mesa, toalhas de crochet, artigos que usamos uma vez na vida e guardamos para aquela ocasião especial que nunca mais iremos ter, tachos, panelas, dúzias de copos, roupa que nunca usamos, bebidas imaculadas nas caixas…será assim tão importante termos uma casa com duzentos metros quadrados? Que diferença faz sentarmos o rabo num sofá de mil euros ou de cem euros? Compramos as coisas porque precisamos ou por pura vaidade e luxúria? Apreciamos e usufruímos das coisas que compramos? Ou não temos tempo nem disposição para tal, porque estamos muito ocupados a trabalhar para podermos pagar as coisas que compramos e as que iremos comprar depois de nos cansarmos das que já temos?

Todos nós guardamos tralha em nossas casas, os especialistas dizem que a quantidade de tralha que guardamos corresponde à dimensão do bloqueio emocional que temos, que a forma como dispomos o nosso lar diz muito sobre o que somos e sobre o que sentimos.

Será que aquela senhora foi feliz? Será que ela apreciou de verdade os momentos eternizados nas molduras? Será que ela gozou bem a cama, o sofá, a bancada da cozinha? Será que apreciou os raios de sol a entrar na sua janela? Será que riu e sorriu o suficiente para a vida ter valido a pena? Todos nós, um dia, nenhum de nós sabe qual, seremos aquela senhora.

Não importa nada, mas mesmo nada, mesmo para absolutamente nada o tamanho da tua casa, se moras num bairro ou numa vivenda na Foz, se dormes numa cama king size xpto ou numa cama foleira comprada em segunda mão, se tens uma cozinha com os melhores electrodomésticos das melhores marcas ou se fazes o teu café numa cafeteira antiga…quando morreres não levas absolutamente nada contigo, todos os bens materiais, sejam eles quais forem, ficam, não levas nada contigo, excepto uma coisa: as tuas memórias, memórias de uma vida plena, vivida à tua maneira, por isso, faz-me um favor: menos tralha em casa e mais vida em ti!