A vizinhança do terror – Bárbara Borralho

Acabou de começar mais uma disputa entre os meus vizinhos. É sempre a mesma coisa: estou eu muito sossegada no quarto quando começo a ouvir gritos. De repente entro num filme de acção e suspense onde nunca sei o que vem a seguir. Nunca percebo totalmente o que estão a dizer, mas de vez em quando apanho um ou outro palavrão e não resisto a tirar o som ao computador e à televisão para decifrar o diálogo misterioso.
Ter vizinhos é a coisa mais aborrecida de sempre e os meus rebentam constantemente a escala imaginária que tenho na minha cabeça. Na primeira casa onde morei, a vizinhança era maioritariamente composta por casais da idade dos meus avós. As mulheres eram coscuvilheiras, mais preocupadas com a vida dos outros do que com as suas e andavam de pantufas ou chinelos de quarto no meio da rua. Escusado será dizer que a minha avó sempre fez parte desse grupo. Já os homens eram diferentes. Os carros podiam estar parados a semana toda, mas ao sábado era dia de esvaziar tanques e tanques de água que seriam suficientes para encher as piscinas todas do concelho. E no Verão era obrigatório tirar as camisas e camisolas. Ou pelo menos parecia já que era obrigada a ver tanto homem a exibir a barriga de cerveja no meio da rua.
Aos 11 anos fui viver para um apartamento. Como é óbvio, a adaptação foi complicada porque estava habituada a ir gritar pelo bairro todo sempre que me aleijava e ali tudo isso era impossível. Tive de mudar os meus hábitos, criar uma nova rotina e a palavra de ordem era “silêncio”. Recebi cartas anónimas a queixarem-se de que eu ou a minha irmã cuspíamos para o terraço do vizinho do rés-do-chão. Sim, vocês não sabem, mas tenho o hábito de encher de saliva a casa dos outros. É um vício saudável que me mantém com a cabeça fresca. No entanto, quando caiu uma bola de futebol acidentalmente nesse mesmo terraço, ninguém se dignou a escrever uma carta para me relembrar o sucedido. Não, meteram a bola lá dentro e eu fiquei a arder em vinte euros.
Depois do divórcio dos meus pais mudei-me para o prédio onde estou agora. Antigamente acreditava que o estava mau não podia piorar mas depressa me desenganei. Estes vizinhos são piores do que os outros todos juntos. Neste momento tenho uma batalha campal a acontecer perto de mim (ainda não decifrei de que apartamento vem). A mulher diz mais palavrões do que uma claque de futebol, o homem não diz nada de jeito mas tudo serve para atiçar a fera e os filhos andam sempre à bulha. Eu é que tenho pais divorciados e eles é que têm uma família tão disfuncional. O mundo anda do avesso. Tirando isso, continuo a ter vizinhos que fazem barulho. Queixam-se de mim mas acordam-me todos os sábados com música do Tony Carreira nas alturas. Em três anos já aprendi a discografia inteira do homem e a minha mãe continua a insistir que não preciso de ver um psicólogo. É por isso que nunca hei-de fazer uma tatuagem a dizer “amor de mãe” numa das nádegas. Contudo, a situação mais ridícula é o vidro partido do elevador. Já aconteceu há mais de um mês mas o condomínio deve achar que um espelho estilhaçado dá uma óptima decoração ao elevador e deixou aquilo lá. Desde então que não corto o cabelo; basta encostar-me àquilo e fico com um corte moderno e estiloso.
Odeio ter vizinhos. Odeio o fulano (ou fulana) que desenrosca a lâmpada do meu andar e que me obriga a andar aos apalpões para chamar o elevador. Odeio os “comunicados” do condomínio repletos de erros e frases mal redigidas. Odeio os dias de jogo no café porque nunca tenho um espacinho que seja onde pôr o carro (que por si só já não é muito grande). Odeio as pessoas que vêm passear os cãezinhos para a porta do meu prédio e que deixam os passeios cheios de presentes desembrulhados. Às vezes tenho vontade de ir morar para o campo porque um dia destes nem me deixam tossir porque faz muito barulho. Vou comprar uma trela à minha gata, encher um saquinho com areia e ir passeá-la à porta de casa dos outros. No fim deixo lá a porcaria como forma de retribuição.
São onze da noite e os vizinhos acabaram a discussão por agora. É inadmissível. Num prédio é proibido fazer barulho depois das dez horas e era capaz de jurar que a mulher chamou “filho da p*ta” ao homem às dez e meia.

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Riso sem siso