Acerca de “O Conde de Monte Cristo” – Alexandre Dumas

Antes de mais, começo esta crónica por saudar a todos e a todas, neste ano de 2014, desejando que o mesmo seja pleno de alegrias e conquistas pessoais.

Hoje irei escrever sobre uma obra literária de que sempre gostei bastante, e que nos pode levar a reflectir que se o amor e o perdão são das nossas maiores conquistas e um dos nossos maiores bens, a vingança pessoal, se justa e verdadeira, pode tomar contornos nobres apesar de tenebrosos, que remetem para aquela parte do ser humano mais profunda de negrura, que inexoravelmente faz parte de nós enquanto gente, pois reserva-se a “santidade” para quem de direito, porque ser pessoa tem destas coisas em que o equilíbrio dinâmico entre o “branco” e o “negro” faz pensar que a vida tem muitas outras tonalidades de cinzentos, cores variadas, e nada é apenas dual, do estilo “bem por oposição ao mal”, mas existem contornos bem mais complexos e que são multifacetados e de uma panóplia de tons…Ser pessoa é exactamente assim, e apenas aceitando o lado mais “obscuro” do nosso ser, o poderemos colocar em equilíbrio e perceber qual o seu lugar na nossa vida…só assim poderemos ser bons na nossa essência mais profunda..Mas passemos à frente…

Sem querer de todo enaltecer, muito menos incentivar o sentimento de vingança, pois no quotidiano ele é apenas um sentimento “pequeno” que deveríamos sempre evitar e “amordaçar” se necessário for, pois quase sempre é despropositado e absurdo, “mesquinho” e exagerado, baseado apenas no orgulho próprio (aquele que não é muito bom, nem se prende exactamente com amor próprio, bem o oposto disto mesmo), com maior ou menor “falha no narcisismo”, sem nada que o possa tornar justo e digno, antes pelo contrário…parece-me bastante claro que, e no entanto, em casos muito peculiares, a justiça e a vingança formam uma fronteira muito ténue, eventualmente nem sequer formam uma fronteira, pois imiscuem-se forçosamente, e é, sem dúvida, o que se passa, do meu ponto de vista, se pensarmos essencialmente nesta obra de que aqui irei falar. Refiro-me pois à obra de Alexandre Dumas (o pai, porque existe o filho com o mesmo nome, também escritor – nascido em Villers-Cotterêts em 1802, falecido em Puys em 1870), “O Conde de Monte Cristo”.

Se de todas as suas obras, provavelmente é a obra “Os Três Mosqueteiros” a que teve maior notoriedade, fazendo justiça a valores essenciais como a lealdade e a solidariedade, a bravura e a coragem, “O Conde de Monte Cristo” é no entanto, e para mim claro está, uma das obras mais importantes do ponto de vista daquilo que o ser humano tem de mais pérfido e tenebroso, por um lado, no que diz respeito ao que alguém consegue fazer com algum poder, da vida de outro, aqui tratado como mero objecto descartável, com um traço de indiferença psicopática preocupante, e, por outro lado, à força que um homem pode ter, motivada pela “sede” de justiça (ou de vingança?), onde com paciência e persistência, a vida toma contornos surpreendentes e que conduzem à justiça final…ou vingança?…

Para quem conhece a história, aliás já transformada em filmes e séries televisivas ao longo dos tempos, eis uma boa oportunidade de voltar a pensá-la, e reflectir de forma mais profunda, quem sabe…

Para quem não conhece a história, ou para quem já não se recorda, ela relata pois a vida de um homem que por alturas das tentativas de queda da monarquia vigente em França, por conquista do país, por parte de Napoleão Bonaparte, é transformada numa vida condenada a prisão perpétua numa ilhota que serve apenas para esse efeito de clausura, sendo esta condenação fruto de uma traição e manipulação perversa, por parte de um “magistrado” com o poder de fazer justiça, que por motivos pessoais comandados por sentimentos “mesquinhos”, decide cometer este acto de injustiça e de traição, acabando com a vida deste homem. Este homem, Edmond Dantès, cerca de vinte anos depois, consegue libertar-se desta clausura, e de forma inesperada enriquece e retorna ao lugar onde sempre vivera, sob o nome e o “disfarce” de Conde de Monte Cristo. A partir daqui, ele vai verificar “os estragos” provocados nos que mais amava, pela sua prisão, e perseguir até obter vingança sobre todos aqueles que estiveram implicados nesta injustiça cometida que o privou da sua liberdade e da sua própria vida.

É aqui que coloco pois a minha primeira questão… neste caso, o perdão faz sentido?…A resposta óbvia é que sim…o perdão faz sempre sentido quando verdadeiro e sentido de forma plena, numa dimensão que ultrapassa o vil sentimento de vingança…Por outro lado, o perdão não deve ser uma imposição castradora do Eu, que necessita de ser livre para expressar toda a forma de sentimentos na verdade…portanto não é de todo linear o perdão neste caso…começando pela própria definição do conceito de perdão…muito subjectivo na verdade…

Quando se lê a obra, quase sempre temos um sentimento de empatia com o Conde de Monte Cristo, perdoando os seus actos, também eles pérfidos, mas que tomam contornos de justiça, mais do que de vingança…É aqui mais uma vez que se imiscuem os dois sentimentos…Uma acto de justiça? Ou um acto de vingança?…O primeiro toma contornos de dignidade e de nobreza…o segundo é “vil e mesquinho”…Por outro lado a “justiça pela própria mão” ainda que em 1844, altura em que a obra foi concluída, parece ser um acto de menor nobreza…

Claro que não possuo uma resposta…claro que não existe uma resposta única…costuma ser assim quando o pensamento é livre e aceita pensamentos divergentes, pois claro…até, mais, costuma ser assim quando nós próprios temos pensamentos vários, um leque de opções para respostas possíveis, sem certezas absolutas…apenas com questões e reflexões pessoais…

Assim sendo, apenas me ocorreu pensar e reflectir sobre esta obra que, de forma exagerada claro está, nos confronta com o que existe de mais profundo no ser humano e na vida…amor versus ódio, vingança ou justiça, clausura versus liberdade, abuso de poder e injustiça, manipulação da vida do outro e inveja…ciúme e perdão…

No entanto optaria sempre por pensar e questionar, ao longo de toda a obra, o seguinte:

Se na verdade alguém é privado dos que ama e da sua liberdade por vinte anos, alimentando a sede de vingança e de fazer justiça, e retorna com a possibilidade de “refazer a sua vida”, em liberdade, dedicando-se no entanto a fazer a referida “justiça pela própria mão”, ficando retido num passado que o consome ainda no presente e que toma “conta da sua vida” para sempre…então atrevo-me a pensar que a essa pessoa foi “roubada” toda uma vida, e não apenas os vinte anos de clausura…mesmo depois de fazer justiça ou de “vingar a sua dor”, ela permanecerá, com um vão e efémero sentimento de vazio que fica…

Posso então reflectir, que a nossa liberdade reside não num perdão “castrado” e “santificado”, que nos é imposto por um qualquer “Super Ego” opressor do Eu, mas num perdão que assume uma total libertação deste Eu…a libertação da dor que nos oprimiu “anos a fio”…aqui sim, reside a verdadeira liberdade…e, atrevo-me a pensar, aqui reside o verdadeiro perdão…

Pensando mais além, posso inferir que se o Conde de Monte Cristo reservasse à Justiça aquilo que tomou para si como vingança, e pensasse nesta sua nova vida como uma nova oportunidade, ainda que com a dor que tolerou e que marca o mais profundo do seu ser, talvez a sua clausura fosse “apenas” de vinte anos, as suas perdas afectivas fossem “apenas” as que já havia perdido e não as futuras que nunca chegará a alcançar…

Talvez devesse às vezes cada um de nós reflectir e perceber que muitas vezes a nossa prisão não reside naquilo que o Outro e a vida nos faz, mas reside sim nas correntes e paredes que nos colocamos a nós mesmos com sentimentos mais “pequenos”, ou, por outro prisma, por sentimentos devastadores e demasiado pesados… por vezes, tal Condes de Monte Cristo, permanecemos na obsessão daquilo que a vida nos fez, ao invés de nos preocuparmos com o que vamos nós fazer com a nossa vida…e se esta nos dá uma segunda oportunidade pode ser pois o tempo da mudança…do dizer adeus às mágoas, no abraçar o presente e o futuro com a mente livre…aqui reside a nossa liberdade e a nossa esperança…A liberdade conquista-se…por vezes dolorosamente, é certo, mas é uma conquista que só pode ser nossa, e uma enorme riqueza interior…

Desejo-vos excelentes leituras e boas reflexões…

Um ano de 2014 pleno de liberdade e conquistas pessoais

 

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Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega