Actualidade: Liga dos Campeões, Subvenções Vitalícias e Sócrates

A actualidade não me permite falar num só tema. Quem lê o que escrevo está habituado a ler sobre a actualidade – mea culpa – e pretendo que assim continue. Por isso hoje será uma crónica multi-temática.

Liga dos Campeões na RTP

A comunicação social diz que a RTP ofereceu uma quantia exorbitante  de 18 milhões de euros por 3 anos (por conseguinte, 6 milhões de euros por ano) para transmitir jogos da Liga dos Campeões da UEFA, facto já desmentido pela administração da empresa pública.
O Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, disse que o Governo acha que o dinheiro da televisão estatal não deve ser investido em transmissões televisivas de futebol. No entanto, um documento assinado pelo ministro que tem a tutela da televisão pública, Miguel Poiares Maduro, indica a exibição de jogos da Liga dos Campeões europeus de futebol como de interesse público, como uma das prioridades do serviço de televisão pública. Até Morais Sarmento, ex-Ministro da tutela no governo PSD de Durão Barroso, criticou no seu espaço de opinião semanal na RTP, a resposta do Governo, através do Ministro da Presidência, de condenar a proposta da RTP por um conteúdo que o próprio Governo classificou de interesse público, para além de não caber ao executivo decidir os conteúdos na televisão estatal, segundo o modelo de organização também por este Governo desenhado. O Ministro Poiares Maduro, segundo os diversos órgãos de comunicação social, recusou comentar o assunto.
Creio que, depois disto, há pouco mais a acrescentar.

Subvenções Vitalícias

As subvenções vitalícias dos ex-parlamentares ocupou grande parte das conversas durante esta semana. Estas subvenções tinham sido suspensas por força da crise e esforço de ajustamento orçamental, mas o assunto voltou às manchetes dos jornais devido à proposta apresentada pelo deputado social democrata Couto dos Santos e do deputado socialista José Lello, ambos membros do conselho de administração da Assembleia da República, de levantamento dessa suspensão. Acredita-se que a decisão de apresentar essa proposta terá estado na pressão feita pelos ex-parlamentares sobre os deputados.
A situação gerou tanta repulsa quer na opinião pública quer dentro dos próprios partidos implicados que, mesmo depois de, na especialidade, a proposta ter passado com os votos de PSD e PS (CDS absteve-se, restantes partidos votaram contra), os proponentes retiraram a proposta.
No entanto, veio a público que a deputada independente eleita pelo PS Isabel Moreira, filha do ex-líder e ex-deputado do CDS Adriano Moreira, admite que participará em pedido de fiscalização da suspensão das referidas subvenções, acreditando que há margem para que o Tribunal Constitucional (TC) declare essa suspensão inconstitucional e o Estado seja obrigado a voltar a pagar aos ex-parlamentares.
Não obstante a moralidade das subvenções – acho que as ditas subvenções nunca deveriam ter existido, pelo que, à falta de melhor, suspensas estão muito bem – reconheço algum fundamento na proposta de fiscalização, uma vez que mexe com direitos adquiridos: algo que estava estabelecido como um direito quando aqueles que agora usufruem delas cumpriam os seus mandatos, que lhes foi agora retirado por força da suspensão. E algumas decisões do TC vieram abrir o precedente de que, nalgumas situações, devidamente fundamentadas, não há lugar a suspensão de rendimentos devidos, apesar do estado débil das finanças públicas. Todavia,tratando-se de uma suspensão (logo, por definição, temporária), assente na necessidade do ajustamento orçamental, é possível que o Tribunal Constitucional não se pronuncie pela inconstitucionalidade da referida suspensão. Fica, no entanto, sempre “beliscada” a credibilidade dos deputados que fazem este pedido ao TC, especialmente de Isabel Moreira, já muito criticada nas redes sociais por estar alegadamente a proteger os interesses do pai, mais do que do país.

Detenção de Sócrates

Antes de mais devo dizer que a detenção de altas figuras do Estado (presidentes de policias, institutos públicos e secretários gerais de ministérios) e ex-governantes (como agora José Sócrates, mas antes também o ex-Secretário de Estado e ex-presidente do BPN Oliveira e Costa, ex-ministro Isaltino Morais, ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues, entre outros) muito positivo para a justiça portuguesa pois demonstra que ninguém está acima da Lei. Pelo menos, na teoria. Mas a que preço?
A comunicação social noticiava ontem à noite “Sócrates detido no aeroporto”. Certamente muitos terão pensado “ele ia a fugir e apanharam-no”. Não, ele estava a regressar ao nosso país. E estranho é que alguma comunicação social tenha conseguido imagens da detenção. Como souberam da mesma? Segundo o semanário SOL, o jornal obteve as informações que publicou “junto de fontes conhecedoras do processo”. Como pode ter isso acontecido se a Procuradoria Geral da República (PGR) refere em comunicado que o inquérito se encontra em segredo de justiça? Já no chamado caso BES, a comunicação social noticiou que Ricardo Espírito Santo Salgado já tinha conhecimento de que iria ser detido para interrogatório bastante antes de as autoridades o terem feito e que, inclusivamente, se terá oferecido para ir, por livre e espontânea vontade, prestar declarações e o juiz terá recusado. As perguntas que deixo no ar são: quem estará a querer, aparentemente, mediatizar as acções do Ministério Público? Que implicações trará esse alegado facto para a imagem da PGR ?
Em relação ao caso concreto de Sócrates, o que se sabe pelo comunicado da PGR é que foi detido no âmbito de um “inquérito, que investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro  sem justificação conhecida e legalmente admissível”, onde “se investigam suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção”. A comunicação social adiciona que tem a ver com património e estilo de vida desadequado ao valor declarado pelo ex-primeiro ministro ao fisco (segundo o SOL, Sócrates declarava ao fisco 12 mil euros mensais, recebidos da farmacêutica Octapharma, da qual era consultor desde 2013 e uma nova avença do mesmo valor de uma sociedade offshore detida por Lalanda de Castro, o mesmo que o convidou a trabalhar para a Octapharma). Para já, o ex-governante e ex-secretário geral do PS vai ser ouvido pelo juiz de instrução criminal, que decidirá a medida de coação a aplicar. Por isso não fiquem espantados se daqui a umas horas ou dias. Sócrates sair em liberdade com uma medida de coação menos gravosa (como, por exemplo, termo de identidade e residência), pois é uma das possibilidades. Bem sei que depois haverá a “onda” de contestação, mas é assim mesmo que se passa em qualquer Estado de Direito. Detido para interrogatório não significa preso, nem tão pouco condenado. Isso só depois de, caso haja elementos para isso, ir a julgamento e ser condenado.

Espero que, com todo este alvoroço em torno destes temas, ninguém esqueça o caso dos vistos “gold”, que ainda está longe de terminar.

 

Crónica de João Cerveira