Adoro a relatividade do Mundo… Ou talvez não – Ouvi Dizer

Se há coisa que gosto de dispensar é de andar de autocarro. E porquê? Deve ser o sítio onde mais somos julgados, criticados, calcados, insultados e sabe-se lá mais o quê simplesmente de forma gratuita. É como se certas pessoas andassem de autocarro só para que os outros ouçam a sua opinião. Sim, porque fora deste contexto provavelmente ninguém quereria saber. Então é assim, um lança a dica, outro apanha-a e desenvolve e, se der, outro acrescenta mais uma vírgula. Chega a ser ridículo.

Não há muitos dias para cá apanhei o autocarro e excepcionalmente naquele dia sentei-me nos lugares da frente (não nos de cedência obrigatória, não, isso dava mais uma crónica) pelo que fiquei com uma visão ampla do autocarro. Uma senhora, que devo dizer empurrou toda a gente para entrar no autocarro (vazio por sinal) para ter lugar, tinha ar de “Se-O-Meu-Nariz-Fosse-Mais-Empinado-Caía-De-Costas” e sentou-se nos lugares perto da porta de saída.

̶  Fantástico – disse eu – já te estou a topar.

Gosto de ouvir a minha música então ando sempre de auscultadores nos ouvidos mas o olhar dela intrigou-me. Sobrancelha levantada, cara fechada e olhar feroz. Então começo por baixar o volume para tentar perceber. Ora, era uma senhora não muito consciente do sítio onde estava que expunha a sua opinião no limite dos decibéis permitidos ao ser humano (ou talvez para o interior de um transporte público, vá) e que vinha a falar de futebol. 

Achei a cena cómica no mínimo e entretanto segui a ouvir a minha música. Mas o olhar daquela senhora dizia bem mais do que qualquer coisa que lhe pudesse ter saído pela boca. Enquanto todos os outros passageiros iam absortos na viagem fatídica de autocarro depois do expediente, aquela senhora vinha bem atenta ao que não era da sua conta.

Será que nos resumimos a isto? Ao estereotipo e crítica rápida sem conhecermos as pessoas? Eu acho que sim, é inevitável. Podíamos, no entanto, fazê-lo com menos inflexibilidade. Afinal somos todos feitos do mesmo.


Crónica de Ema Naida
Ouvi Dizer