Afinal, mudar um simples pneu tem muito que se lhe diga… – Ricardo Espada

O meu fim-de-semana passado foi um autêntico terror. E pronto, estamos despachados, um bom fim-de-semana para vocês, amáveis leitores que perdem tempo a ler isto. Nã… Eu sei que, para vocês, seria um verdadeiro apaziguo que eu ficasse por aqui, mas não meus amigos… Eu vou ter mesmo de contar uma pequena e verídica história que me ocorreu no passado fim-de-semana. Preparados? Vá, escusam de estar a abanar negativamente a cabeça, porque vai ter de ser. Também já é sexta-feira, e não custa nada mais um pequeno esforço para ler esta crónica…

Os ponteiros do relógio apontavam sensivelmente para as 2 horas da madrugada, quando eu me preparava para embarcar no aconchego da minha cama. Os planos estavam traçados: era madrugada de sábado, e poderia finalmente dar início a uma leitura ansiosamente aguardada. Deitei-me na minha cama, tapei-me com as mantas, peguei no respectivo livrinho do “mestre” George R. R. Martin, e dei ordem de partida para o começo de mais uma viagem pelos mundos encantados criados nos confins da mente brilhante de George R. R. Martin. Li o primeiro parágrafo, quando ouço o meu telemóvel a tocar. Pego no telemóvel, e atendo o telefonema – era a minha irmã, muito aflita, porque tinha acontecido algo terrível. Ela tinha tido um furo, a cerca de 50 quilómetros de casa. Antes de eu responder “Ah, tiveste um furo? Eh pá, então tens de mudar o pneu…”, eis que ela lança o terror, afirmando que o carro não tinha pneu sobresselente… Estava igualmente furado. E tudo começou aqui…

Na mais pura da ignorância, disse-lhe para telefonar para o número da assistência em viagem, que estava estampado na carta verde do seguro automóvel. Ela concorda em o fazer, e eu pensei que estava livre do terror de sair da cama àquelas horas, para a ir desempenar. Passados 2 minutos, liga-me de volta, afirmando que o seguro não cobria pneus furados, e que teria de pagar 120€ para o carro ser rebocado até casa. E eu, desesperado, percebi que não teria mais descanso nessa noite. Os meus planos de uma noite de leitura, tinham-se esvoaçado à velocidade de um simples relâmpago…

Percebi que tinha de ir em seu auxilio, e que teria de enfrentar o demónio do frio, depois de me encontrar aconchegado debaixo de mantas quentinhas. “E pronto, acabou-se o sossego…”, lembro-me de ter surgido este pensamento, após sair de casa, pronto para ir ajudar a minha irmã. Fiz-me à estrada a uma velocidade “Flash Gordon”, para chegar o mais rápido possível junto da minha irmã, que estava sozinha, no escuro, na berma de uma estrada à entrada de Lisboa. Ao chegar perto dela, mas no sentido contrário, reparo que estava um outro carro junto ao dela, o que me fez pensar mil e uma coisas negativas – um chico-esperto a tentar aproveitar-se de uma loiraça de olhos verdes, ou mesmo um jeová a pregar a voz do senhor. Mas depois apercebi-me que não era o carro dela, pois ela estava 1 ou 2 quilómetros mais acima. Finalmente, consegui chegar até ela e, armado em “homem-que-sabe-mudar-pneus-como-quem-muda-de-camisa”, retiro o pneu sobresselente do meu carro na esperança que servisse que nem uma luva no carro da minha irmã. Depois de lutar freneticamente com os buracos de uma jante, tentando forçar o ferro a alargar (Não estejam a abanar a cabeça, um homem quando está desesperado tem atitudes absolutamente inenarráveis…), lá me conformei que a jante não encaixaria nem que usasse um maçarico para fazer novos buracos – confesso que ainda me passou pela ideia ir comprar um maçarico, mas eram três horas da madrugada e a ideia esvoaçou-se…

Eis que, no meio do frio e da escuridão, o meu cérebro lembra-se de trabalhar como deve ser e volto a montar o pneu furado para levarmos o carro até ao posto de combustível mais próximo, que ficava sensivelmente a 4 quilómetros. Foi o que fizemos, com um pneu quase a desfazer-se pelo caminho, e acho que ainda vi uma ou duas faíscas a sair do mesmo – mas também pode ter sido uma pequena visão, provocada pelas horas tardias em que andávamos naquele espalhafato. Chegámos ao posto de combustível, e ia ficando sem carro. Estava a ajudar a minha irmã a estacionar o carro num local visível para que fosse mais improvável alguém o assaltar, e esqueci-me do meu carro a 50 metros, a trabalhar e completamente aberto… O meu anjo da guarda, lembrou-se de acordar àquelas horas tardias e avisou-me para ir ver do meu carro, porque algo poderia não estar bem. Volto para trás, em direcção ao carro, e quando chego perto do mesmo, deparo-me com um Mercedes escuro, enorme, e com três indivíduos de etnia cigana a prepararem-se para ganhar a noite. Um deles já se estava a preparar para sair do carro, provavelmente, para ir avisar-me que tinha o carro aberto e a trabalhar, mas ao volante no meu próprio carro, com toda a certeza – ainda falam mal desta malta, pá… Sempre tão prestáveis… Depois de estacionar o carro num local visível, regressámos a casa.

Os ponteiros do relógio apontavam para as 11 horas da manhã, quando fui acordado pelo meu pai, que tinha arranjado um pneu emprestado por um vizinho que, curiosamente, tinha um carro igual ao da minha irmã. Felizes e contentes, lá percorremos mais 50 quilómetros para montar o raça do pneu no carro e regressar a casa. Mas, claro, as coisas não podiam ser assim tão simples, e depois de várias tentativas falhadas, afinal a jante também não encaixava! Desesperado, comecei à procura de um jerricã com combustível e um fósforo, para pegar fogo ao carro e resolver o assunto de uma só vez! Mas, o meu pai impediu-me… Enquanto eu for vivo, nunca o irei perdoar por ter impedido o que podia ter sido um sensação libertadora… Lembrei-me: “Espera aí… Normalmente, as oficinas Midas costumam estar abertas durante 24 horas”. Não sei onde fui buscar aquela ideia absurda, mas foi ao que me agarrei durante as 2 horas que andei às voltas em Lisboa, procurando por uma Midas aberta… Graças a Deus – ou, mais propriamente, à Internet – lá consegui descobrir que todas fechavam ao domingo. Desmotivado, triste e ainda revoltado com o meu pai por me ter impedido de pegar fogo ao carro, decido regressar a casa, sem antes passar por uma oficina de pneus, sensivelmente perto da minha casa, num último fôlego de esperança…

O Diabo teve pena de mim, e desistiu de me chatear. A oficina estava fechada, mas quando me aproximei da mesma, reparo que a porta estava entreaberta e que estava alguém lá dentro. Consegui a pouco custo, convencer o dono da oficina a vender-me um pneu a um domingo – na verdade, foi até muito fácil: bastou acenar com dinheiro…

Com um pneu novo – e depois de almoçar à pressa – lá voltei a percorrer mais 50 quilómetros para montar o pneu no carro da minha irmã. Serviu como uma luva, e apeteceu-me ir comprar confettis para festejar aquele grande feito! A dada altura, dei por mim a dançar o Gagnam Style em pleno posto de combustível. Não foi agradável de se ver. Depois desta pequena aventura, ainda senti a coragem necessária para tentar o suicídio, deslocando-me até a um centro comercial para comprar as prendas de Natal que se encontravam em falta. Acho que todas as pessoas que se cruzaram comigo naquele centro comercial, ficaram com a terrível sensação de que eu era um psicopata com tendências assassinas, ou um “simples” bombista. Se eles soubessem que eu quis incendiar o carro da minha irmã, tinham de facto razões para fugir dali a sete pés…

Cheguei a casa extremamente estoirado, e com a sensação de ter reencarnado em Vítor Gaspar, devido às descaídas olheiras que faziam parte do meu rosto cansado. Passei a noite inteira a ter pesadelos com pneus furados e, no dia seguinte, durante as 8 horas de trabalho, devo ter olhado para os pneus da viatura da empresa umas mil vezes, com pânico que algum deles estivesse furado e que, eventualmente, o tivesse de mudar…

Perdoem-me o texto excessivamente longo e disparatadamente absurdo e sem sentido, mas eu tinha de partilhar este verdadeiro fim-de-semana digno de um filme de terror… Eu precisava de desabafar! Ai, como eu precisava de desabafar… Agora, os caríssimos leitores perguntarão: “Ah, pronto, já desabafou, agora já está melhor ó sua alma frágil?” E eu repondo inocentemente: “Não! Estou pior, e acho que vou necessitar de ajuda médica…”

Boas entradas! (Enfrasquem-se à grande: ao fim ao cabo, é a única altura do ano em que beneficiam de uma válida desculpa para o fazer…)

Até para a semana, malta catita…


RicardoEspadaLogoCrónica de Ricardo Espada
Graças a Dois
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