Afonso Henriques

Quando leu no anúncio das páginas interiores do jornal, que iam destinar uma coluna semanal à divulgação de novos jovens escritores, a reação instintiva por parte de Henrique foi começar a escrever um conto a tempo de acabá-lo e enviá-lo por correio ainda nesse dia, para a morada que vinha indicada em rodapé.

Tinha dezassete anos e era natural de uma aldeia em Carrazeda de Anciães, na província de Trás-os-Montes e embora não desfazendo do nome de batismo, tinha por hábito assinar os textos que escrevinhava para serem lidos pela irmã, sob o pseudónimo literário de Afonso Henriques, de quem não se importaria de seguir os passos porque também lutando é que achava um dia poder vir a conquistar um lugar na história de Portugal.

Durante o mais longo reinado de sempre em Portugal, tivera o monarca português de se esforçar para pôr em prática os planos de conquista que o fizeram chegar longe no que é hoje o território nacional: um extenso aglomerado de paisagens diversas com grandes centros urbanos à mistura, mas onde as aldeias são cada vez mais para onde remetem a vontade de ir as pessoas que se fartam das cidades.

Cedo deu nas vistas o infante nas artes equestres e a manejar a arma com que derrubava os inimigos, como teria feito Henrique, mas enquanto escritor, se isso não dependesse de primeiro editar um livro de sucesso e ter muitos leitores.

E nem a um nem a outro faltavam seguidores. Ao rei, nalguns casos oficiais sequiosos de, às suas custas, viverem tão bem como os alcaides das terras que tomavam. Do jovem aspirante a escritor, é que só poderia querer aproveitar-se quem quisesse de um terreno do tamanho de um quintal que tivesse, pelas palavras dele transformá-lo numa propriedade digna de um rei, aos olhos dos outros. Era mais por ser um rapaz extrovertido a quem não faltavam temas de conversa sobre os quais podia escrever.

No início do texto que ele planeara ter uns dois mil carateres, podia a abrir o primeiro parágrafo falando das cerca de sessenta namoradas que já tinha tido, da extraordinária viagem do primeiro homem a pisar a Lua ou do mais recente filme a que tinha assistido no cinema. Saíra da sala, que era apertada como umas calças de lycra, com tão má impressão de tudo o que viu, que ao pensar no argumento dá-lhe logo vontade de reescrevê-lo, não se limitando a mudar-lhe o princípio ou o fim mas a alterá-lo do princípio ao fim, até a ordem por que eram apresentados os nomes dos atores nos créditos finais. Henrique era igualmente dotado para fazer contas, fossem elas de somar ou subtrair, de dividir ou multiplicar, de tal modo que sempre fora melhor aluno a Matemática do que a Português.

O maior sonho dele era comum ao de quem ambiciona ver reconhecido o que escreve em verso ou em prosa, isto é, ter publicado o seu primeiro livro. Para inspirá-lo a escrever, só faltava conhecer e namoriscar uma rapariga que fosse bonita não só aos seus olhos mas aos de toda a gente, que fizesse notar-se mesmo que descalçasse os sapatos de salto alto que não dispensaria usar quando saíssem juntos para qualquer lado e que, ao fim de algum tempo, ainda confirmasse a impressão tida no primeiro encontro, de que era simpática e generosa. Que tivesse a tez morena do sol que não viria bater-lhe mas acariciar o rosto de formato oval, o cabelo escorrido livre de ganchos que os pudessem prender e impedir de cair livremente pelas costas, o nariz pouco empinado como convinha e os olhos grandes, o quanto bastasse para ver como era amada. Deveria ainda ser graciosa, possuir um apurado sentido de humor e saber vestir-se adequadamente a cada ocasião, não gesticulando em público nem rindo alto por tudo e por nada. Melhoraria se, a par de pensar em tirar um curso que desse uma carreira profissional de sucesso, desde sempre tivesse levado uma vida regrada e nunca se lhe tivesse conhecido qualquer namorado…

Henrique já pensara em publicar no jornal um anúncio semelhante àquele mas ao contrário e aguardar pelo pedido para escrever um conto, que deveria ser tão breve como urgente, mas com pouca fé na resposta que obtivesse, porque aos leitores mais facilmente despertam interesse as notícias a anunciar desgraças do que os textos a falar de coisas bonitas como os que ele se proporia escrever.

Na tarde do dia em que leu o anúncio, ainda o sol não ia alto e já Henrique, que se sentara afincadamente ao computador, se pusera a caminho da estação dos correios mais próxima para enviar o conto que se tinha apressado a concluir, abordando um tema dos atrás referidos, para se assegurar de que chegaria à morada de destino ainda antes do segundo que, mal regressasse a casa, ia começar a escrever para meter num envelope, selar e remeter em correio azul logo na manhã do dia seguinte.