…Ainda sou do tempo do arroz de quinze… – Aida Fernandes

Quem nunca ouviu esta expressão! Da minha geração acho que quase todos devem conhecer, no entanto confesso que já não sei se eram quinze escudos ou quinze tostões! Só sei que agora ronda um euro!…grande evolução! Será que eu estou assim velha e vivi mesmo no tempo do arroz de quinze tostões? Como não gosto de ficar na dúvida parti em busca da verdade, acabei por fazer uma reportagem… Ao vivo e a preto e branco!

Já todos sabem que tenho a facilidade de poder confrontar estes temas com pessoas entendidas na matéria, desta vez pareceu-me de boa ética, escolher a pessoa mais jovem que conheço neste momento! Tem a bonita idade de 99 anos e uns meses, uma jovem portanto! Muito lucida e disposta a tirar todas as minhas dúvidas demos por início a nossa conversa.

Se queriam ver a satisfação da “jovem” ao responder ate parecia uma entrevista para a Tv! Também não é para menos, se me viessem fazer perguntas aos 99 anos e eu ainda tivesse capacidade para responder eu ia achar que era a pessoa mais importante do mundo!

Começamos então por abordar o assunto, mas de imediato surge um comentário:- agora dão-lhe para saber de coisas antigas!…é só feiras antigos…cortejos antigos…na televisão está sempre a dar isso! Já agora sabe dizer-me porquê?

Ora nem mais vira-se o feitiço contra o feiticeiro e eu lá tive que lhe explicar que afinal as coisas antigas sempre têm algum valor! Na verdade nos últimos anos cada vez se fazem mais feiras medievais, porque será! Sem dúvida que é uma boa forma de poder retratar a nossa história baseada em imagens e experiencias! Acho que os próprios jovens começam a valorizar cada vez mais este tipo de eventos.

E conversa puxa conversa até chegarmos á altura do tempo do arroz de quinze, que afinal não era nem de quinze tostões nem de quinze escudos mas sim de 15 reis, o que eles chamam de 15 melreis! Achei muito bonito este recuo no valor da nossa moeda, foi como que uma saudade dos tostões e dos escudos, que sempre rendiam bem mais que os euros!

Continuamos a nossa conversa, situadas noutro século, foi-me contando como se vivia naquele tempo, como com tão pouco dinheiro se mantinham tantos filhos, como era difícil a vida mas ao mesmo tempo como tudo superavam. Ela dizia-me, -sabe menina, eu ainda sou do tempo dos reis, daí os” milreis e melreis”, sou portanto do tempo do arroz de quinze sim,…sou do tempo de ir para as filas para arranjar pão, sou do tempo do trabalho árduo, eu tinha que ir ao  mato num carro de bois e vir em cima do mato, …sou do tempo de haver troca de mercadorias para sobreviver,…  sou do tempo de ir lavar ao rio e de tantas outras coisas que hoje não se fazem mais. O meu pai batia-me por tudo e por nada, por isso logo que pude casei, agente casava para fugir a este tipo de vida, mas acabava por se meter na mesma alhada, os maridos eram violentos e bêbados (pelo menos a maior parte) e eu não escapei a esta realidade e submissão.

Fomos prosseguindo a conversa e sem que eu lhe fizesse a pergunta ela se apressou a dizer, – eu sei o que a menina me vai perguntar a seguir! Fiquei parada e atenta ao que me ia dizer,-vai querer saber se eramos felizes assim ou se agora são mais felizes não é?

Mais uma vez me surpreendeu pela facilidade que tinha em perceber onde eu queria chegar, e respondi-lhe, – também! Mas acima de tudo saber o que sente quando olha para trás e vê tanta evolução, tanta liberdade, tanta fartura, tanto mimo, mas ao mesmo tempo tanta insatisfação!

Muito fácil, diz ela, -olho para trás com saudades porque esta foi a minha história, o que eu vivi com os meus pais, com o meu marido e com os meus filhos, saudades de uma família que agora não tenho porque foram partindo e eu ficando, saudades de um tempo em que não havendo liberdade havia respeito, respeito e medo, mas que fizeram de nós pessoas trabalhadoras e honestas. Na verdade hoje existe tudo para as pessoas serem felizes mas acho que não são, há muito dinheiro, muita fartura de tudo, muita tecnologia, mas ninguém tem tempo para nada, passam a vida a correr, já nem tempo há para a família… E num tom de brincadeira acrescenta,…não entendo nada! Nem tempo têm para cuidar de mim! Está tudo muito mudado sim, mas eu se viver mais algum tempo acho que ainda vou ver muita miséria e fome. O dinheiro não vale nada agora, começa a não chegar e de uma forma diferente a história vai-se repetindo, vai chegar o tempo em que vocês vão dizer,-ainda sou do tempo do arroz de um euro!…que saudades!

Seja qual for o seculo nós vamos sentir saudades do nosso tempo, saudade não é sinonimo de melhor ou pior, mas sim algo que vivenciamos e recordamos. Recordar o tempo do arroz de 15 melreis em pleno século XXI com plenas faculdades é acima de tudo um testemunho real …vivo… bem presente, que merece ser partilhado!

É Caso para dizer que o meu Google para a última etapa é sempre de carne e osso, uma verdadeira enciclopédia mas a preto e branco e sem imagens…somente as desenhadas no interior de cada caso…de cada ser humano!

 
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